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Terça-feira, 17/9/2019
O reinado estético: Luís XV e Madame de Pompadour
Jardel Dias Cavalcanti



1715 é o ano da morte de Luís XIV. A partir dessa data a França mudaria radicalmente seu espírito. O comportamento do reinado de Luís XIV, austero, solene, com sua etiqueta praticamente litúrgica chegava ao fim.

O herdeiro foi Luís XV, que estava com cinco anos quando Luís XIV morreu. Até atingir a maioridade, quem ficou na regência foi Philip de Orléans, que governava de seu Palais Royal. O Palácio de Versalhes, pronto mas abandonado, só se tornou residência real em 1723, com a vinda de Luis XV, já em sua maioridade.

A diversão começou. Luís XV era inteligente, culto, admirador das artes... e do amor. Tão logo instalou-se em Versalhes, entregou-se a uma vida extravagante, com excessos devassos, em busca da joie de vivre. Depois de um tempo casado com Maria Leszczynska, que lhe deu filhos, mas era considerada tola e irritante e lhe desagradava na cama, partiu para os braços de outras mulheres, como Madame de Mailley e suas irmãs, pulando de cama em cama.

Em 1742 acontece a grande reviravolta na vida de Luís XV, ao conhecer a mulher que ficaria ao seu lado por pelo menos vinte anos: Madame de Pompadour. Ela exerceu forte influência sobre a arte francesa e contribuiu para a criação do famoso estilo Luís XV. Mesmo vindo da petite bourgeoisie, absorveu os costumes da corte e sob sua forte personalidade transformou a própria corte. Talentosa, dançava, cantava, representava, sabia pintar, fazia gravuras (aluna de Boucher) e acompanhava a manufatura da porcelana de Sèvres. Era leitora dos autores enciclopedistas, tendo interesse por O Espírito das Leis, de Montesquieu. Seu retrato, feito por Latour, a mostra rodeada por estes livros. Deu proteção aos artistas e marceneiros destacados da época. Tornou-se para a França uma espécie de arbiter elegantiarum, sendo ela a chave para se compreender o gosto francês da primeira metade do século XVIII, ao qual conferiu graciosidade e feminilidade. Grande colecionadora de arte, grande leitora e importante influência na corte de Luís XV, foi a mulher mais ativa do período.



Talvez sob a influência de Pompadour, o rei acabou se preocupando mais com seu guarda-roupa, seus móveis e a decoração dos seus châteux do que com assuntos de estado. Tudo o que dizia respeito à moda e arte passou a interessá-lo.

A moda tornou-se a tirania da época (até as cadeiras tinham que se submeter à roupa das mulheres — os enormes vestidos usados criaram a necessidade de cadeiras com braços curtos para que as amplas dobras de seda multicolorida pudessem cair graciosamente pela tapeçaria petit-point de forrava os assentos. A frivolidade picante, picaresca convidada à busca dos prazeres, em todos os sentidos e lugares.

O ambiente das casas mudou, buscando-se a cálida intimidade de apartamentos pequenos, com salas compactas, decoradas com padrões vistosos, alegres. Tudo era vistoso, brilhante e confortável, mesmo sendo rebuscado.

A influência sobre os ricos se deu imediatamente, tornando-os colecionadores de desenhos, pinturas, porcelana, conchas — tudo o que atiçasse a fantasia e fosse elegante, despertando o prazer estético. Era hábito de Luís XV presentear monarcas com caixas de rapé cravejadas de diamantes e adornadas com seu retrato.

A exótica China também se apresentou ao seu reinado, uma China sui generis, empoada, coquete que fornecia laca para os móveis dos marceneiros parisienses e magníficos vasos de porcelana, que ourives europeus adornavam para aumentar sua graciosidade e beleza.

A época do Bien-Aimé Luís XV foi o reinado da frivolidade e do luxo excessivo, mas também foi a época do pensamento. Voltaire dizia que na sua época “as mentes se esclarecem bem mais do que em todos os séculos anteriores”. Rousseau (com suas ideias de igualdade e volta à natureza), Montesquieu (despertando o pensamento político), os enciclopedistas (D`Alembert e Diderot), deram início ao pensamento moderno que desaguou na Revolução de 1789.

Luís XV sempre protegeu os interesses da arte, escolhendo o que havia de mais contemporâneo em termos de talento, como os pintores La Tour e Boucher, por exemplo, dentre outros. Foi a partir de 1737 que se passaram a realizar os Salons (primeiras exposições de pintura do mundo), que foram motivo das crônicas críticas de Diderot.

Esplendor e magnificência são palavras que definem a corte de Luís XV. A imagem que melhor define o período é a de Madame Pompadour, num inverno rigoroso, enchendo os canteiros de seu jardim com flores de porcelana e borrifando sobre ela perfumes para completar a ilusão.

A arquitetura também definiu o gosto da época. Arquitetos produziam projetos que inspiravam a criatividade dos artesão, dos marceneiros, dos ourives que multiplicavam a delicadeza sobre todos os objetos do cotidiano. O planejamento urbano também foi se aperfeiçoando com a criação de praças, pátios com seus arcos e portais encimados por motivos rococós dourados.

O rocaille tornou-se o termo definidor para o estilo decorativo do século XVIII. Os motivos decorativos eram encontrados em todo lugar, no punho de uma espada real, na alça de um jarro, nas peças de bronze de uma cômoda, na indumentária de uma deusa pintada por Boucher, no bordado de um vestido, na alça de um sapato etc. Essencialmente, rocaille é um padrão ornamental derivado de motivos encontrados na natureza, mas totalmente abstrato do ponto de vista decorativo. Agora comumente se chama de estilo rococó toda arte derivada dessa prática decorativa.

Mesmo com seu reinado finalizado, continuou-se a produzir móveis e peças rococó, de maneira que o rótulo Luís XV não implica necessariamente que o objeto seja feito durante seu reinado, entre 1722 e 1744.



A pintura francesa, no século XVIII, foi dominada por artistas excepcionais como Watteau, Boucher, Fragonard, Chardin, La Tour, dentre outros.

Só no século XVIII o mobiliário adquiriu o requinte do conforto e da beleza ao mesmo tempo, adornando de forma despreocupada, rica e elegante as salas da sociedade da França de Luís XV.

Foi com Luís XV e Madame de Pompadour que a França tornou-se o centro do bom gosto e da moda, que se propagou por toda a Europa, a Meca cultural almejada por todos. Na Rússia, Alemanha e Suécia, o francês tornou-se a língua das pessoas cultas. Os principais monarcas competiam pelos serviços dos artistas franceses, sendo, por exemplo, Frederico, O Grande, a maior colecionador de Watteaus. Voltaire e Diderot tornaram-se conselheiro de muitos monarcas europeus em termos de coleções de arte, literatura e filosofia política.

É claro que tudo isso não tem nada a ver com o governo tosco, medíocre e acéfalo de Bolsonaro e sua pequena dama.

Para ir além:



Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 17/9/2019

 

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