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Domingo, 13/12/2020
Confissões pandêmicas
Julio Daio Borges

Acabei não escrevendo sobre a pandemia. Achei que seria clichê.

Mas confesso a vocês que acordei algumas vezes, de madrugada, achando que estava com falta de ar.

Nas primeiras vezes, descia as escadas e lia o jornal do dia inteirinho. Depois, ficava com sono, deitava e dormia de novo.

Então, prometia a mim mesmo que iria correr na praça no dia seguinte - ou no mesmo dia -, para tirar a prova dos nove.

Até que, nas últimas vezes, fui correr de madrugada mesmo. Na verdade, nem era tão de madrugada assim. Quando eu ia ver, eram quatro horas da manhã. E, quando eu chegava na praça, já eram quatro e meia. De modo que - quando eu voltava, tomava banho etc. - coincidia, praticamente, com o meu horário de levantar, entre seis e meia e quinze para as sete.

Hoje, por exemplo, foi assim. Eram umas quatro horas da manhã e eu acordei como se fosse de um pesadelo. Me ocorreu a falta de ar, mas era só o calor do quarto mesmo, que - quando eu desci, eu percebi - estava uma sauna.

Na dúvida, sempre pego um perfume da Tia Techy para cheirar. Se consigo, é porque não é Covid-19. E tem dado certo até agora. (Ah, e eu também fico em casa a maior parte do tempo.)

Minha prova dos nove é a corrida porque, se eu consigo dar uma volta correndo, significa que meus pulmões, obviamente, não foram atingidos.

Sou meio hipocondríaco, eu admito. Quando a Aids apareceu, no final dos anos 80, assisti a um Globo Repórter e já imaginei que estava contaminado.

Impossível; já que eu era um pré-adolescente imberbe, não era hemofílico e o mais perto que passei de uma transfusão de sague foi, aos dezoito anos, quando, dispensado do serviço militar (obrigado, Tio Ronaldo), fui obrigado a doar.

Fiquei maravilhado quando me entregaram um cartão vermelho com meu tipo de sangue (type O positive) e lá dizia, também, que eu era HIV negativo.

Guardei aquele cartão durante anos, como um amuleto. Funcionou.

Meus mal-estares (é assim que se escreve, acabo de conferir) estão relacionados à digestão. Fígado. Quando estou preocupado, alguma taquicardia. Pressão. Aí, paro de tomar café no dia seguinte. Depois, volto. E assim vamos indo.

Em teoria, eu tenho menos medo de morrer do que de deixar as coisas por fazer. Projetos que eu gostaria de terminar. (Um dia, quem sabe, falo sobre eles.)

E tem, naturalmente, a Catarina. Tem muita coisa que eu gostaria de fazer com ela ainda. Muita coisa.

As pessoas nunca falam sobre a própria morte numa rede social, talvez porque não combine com a ostentação digital da vida.

Mas duvido que, nestes últimos meses, nunca tenham parado para pensar nisso. Afinal: se ocorreu de maneira tão aleatória para algumas pessoas... poderia ter ocorrido para todas.

Não faço campanha para as pessoas ficarem em casa. Vai da cabeça de cada um.

Tenho sorte de poder trabalhar de casa, de poder fazer as minhas coisas de casa. Mas e quem não tem? Não sou eu quem vai julgar.

Sobre a vacina, não tenho opinião formada. No sentido de que não arriscaria uma data. Torço para que ela venha, porque acho que já estamos todos cansados e não imagino um outro ano assim. Mas não sou cientista; não tenho respostas.

Não posso reclamar, porque a pandemia foi boa para o meu negócio. Só acho ruim pela Catarina, que sofreu por não poder ir à escola. Os demais sobreviveram.

Não me arrisco a desejar um bom Ano Novo. Uma boa segunda onda? (Uma segunda quarentena?)

Estou soando clichê agora; então é melhor parar.

Fiquem bem - eis o que posso desejar.

Para ir além
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Julio Daio Borges
São Paulo, 13/12/2020

 

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