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Sexta-feira, 28/8/2020
O pai tá on: um ano de paternidade
Luís Fernando Amâncio

Nessa semana, minha filha completou um ano de vida. Ou seja, faz um ano que eu deveria me perguntar todos os dias: onde foi que eu amarrarei meu burro?

Deveria, atenção ao tempo verbal. Porque ter filhos talvez seja a maior prova de que o ser humano é um bicho danado de pretencioso. Convenhamos: nem coleta seletiva de lixo a gente consegue fazer. Como a gente insiste que pode pegar aquele cisco, que é o recém-nascido, e transformá-lo num projeto de gente?

É um desafio que, geração após geração, nós encaramos. Tamanha a nossa irresponsabilidade. E olha que eu tenho sorte. Não posso dizer que minha filha me deu olheiras, cabelos brancos ou aspecto de cansaço – eu já tinha tudo isso antes.

Às vezes, eu me pergunto se tem algo errado comigo. Afinal, seria socialmente mais aceito se eu viesse aqui com um texto fofo, cheio de palavras bonitas, dizendo como é mágico ser pai e como amo minha filha. Sim, é mágico, e claro, amo a pequenina. Mas entre dar tons de comercial de margarina para minha vida e ser sincero, sempre escolho a opção impopular.


Quando minha filha nasceu, eu não chorei. Fiquei aliviado. A bolsa da minha esposa havia se rompido às três da manhã e o bebê só nasceu às seis da tarde. Poxa, nos filmes esse processo dura, se muito, uns dois minutos! Não tem essa maratona de aflição. Minha esposa ficou em jejum esse tempo todo, coitada – eu, sem café da manhã, declararia uma Terceira Guerra Mundial. Se o nascimento demorasse um pouco mais, precisaríamos de fazer uma cesárea, o que não era nossa predileção.

Também não fiquei emotivo ao entrar com nosso cisquinho pela primeira vez em casa. Novamente, o sentimento era de alívio. Ali, não teria mais enfermeiras furando minha filha a todo momento para medir sua glicemia.

O que me faz concluir que alívio é o sentimento que melhor define a paternidade. Por mais que haja manuais, conselhos e que a gente se prepare, a sensação, na prática, é a de andar vedado, com labirintite, numa corda bamba. É sempre um alívio não ter se esborrachado no chão - ou, mais especificamente, não ter deixado o bebê se esborrachar. Aí, eu entendi o conceito dos mesversários. É como dizer: “ufa, inteirou um mês e eu não fiz nada muito errado, o bebê segue vivo”. Só não proponho que se celebre diaversários porque seriam bolos demais (e calorias).

Acho simbólico que o primeiro presente que comprei para minha filha foi um body do meu time, o São Paulo. Um clichê, evidentemente. Só que não foi um gesto do tipo “meu herdeiro vai ser como eu, torcedor do melhor time do mundo”. O São Paulo não ganha nada há eras. Todo ano os jornais atualizam uma manchete dizendo que o SPFC viveu o maior vexame de sua história na noite anterior. Nem no cara ou coroa a gente leva a melhor sobre alguém.

Aí, vem a pergunta: quem, em sã consciência, legaria à geração futura a maldição de acompanhar essa desgraça em forma de time? Parece uma falta de apreço com a criança.

Pois é justamente o contrário. Nada é mais triste para o pai de um bebê do que pensar que essa serzinha de três dentes na boca, que imita gato, passarinho, fica eufórica quando vê a lua e gargalha quando eu a jogo para o alto (para o terror da mãe) vai ter, inevitavelmente, frustrações na vida que não poderei resolver. Infelizmente. Ela vai crescer e tirar notas ruins na escola, ter decepções amorosas, acompanhar os resultados das eleições no Brasil. E eu estarei de mãos atadas.

Ao menos em relação ao futebol... eu também não poderei fazer nada. Mas estarei do lado dela. Sofrendo junto. Assim como em todo o resto. E quando terminar o campeonato e o time estiver fora da zona de rebaixamento, celebraremos juntos. Com alívio, essa palavra que, insisto, é a que melhor resume a paternidade.

Luís Fernando Amâncio
Belo Horizonte, 28/8/2020

 

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