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Terça-feira, 8/2/2022
Fechado para balanço, a poesia de André Luiz Pinto
Jardel Dias Cavalcanti



O poeta André Luiz Pinto acaba de reunir em um livro uma centena de seus poemas. Trata-se de Balanço: poemas reunidos (1990-2020), publicado pela editora paulista Patuá. O livro ainda traz, para uma avaliação da poesia de André Luiz, excelente prefácio de Diana Junkes e um posfácio de fôlego de Alberto Pecheu.

Anteriormente publicados em livros que vão dos anos de 1990 a 2020, a organização dos poemas parte de uma perspectiva particular, que revela muito da forte persona poética de André Luiz. Ao contrário do que geralmente se faz, o poeta optou por fazer uma seleção de poemas que lhe parecem mais relevantes na sua trajetória e que podem ter importância pontual no presente.

Não se trata de uma amostragem simples do que cada livro trouxe de importante. O que se pode perceber nessa organização é que alguns temas centrais de sua poesia se reorganizam frente às questões do mundo atual (que pode ser também uma definição do que lhe é importante enquanto construção poética).

O livro é dividido em 13 seções. Sugestivo o número 13 nesse caso de uma reavaliação ou balanço de sua trajetória. A carta 13 do tarô é a carta da morte, mas no sentido positivo do fim de um ciclo, portanto, de uma mudança. Como uma espécie de autopsicanálise poética, passa-se a limpo questões muito diretamente ligadas ao EU existencial e social do poeta (o título da primeira série se chama “Pessoa”, não por acaso).

Não passa despercebido também a tensão ligada aos problemas da atividade da poesia. É sintomático que a questão apareça justamente na abertura, onde se lê: “Quando nos mudamos,/ meus pais fizeram/ de tudo/ para se livrar/ da mochila que levava meus poemas. // (...) Desde então,/ levo essa mochila comigo/ como um cachorro/ que me segue na rua.” Maculado pela poesia, sua desconfiança em relação à atividade poética é premente: “Tinha tudo/ para ser feliz (p. ex./ caminhoneiro)/ então preferiu fazer uso/ da palavra// : mágoa.”

Nessa reunião de poemas, por vezes enigmática (porque esse e não aquele poema entrou na reunião?), funcionando como uma espécie de “decifra-me ou devoro-te”, André Luiz parece refazer o trajeto existencial para si mesmo mediado pela tensão entre a realidade do mundo e as necessidades da linguagem.

O problema da relação entre sujeito e mundo se estabelece, nesse sentido, a partir da necessidade de construção de uma espécie de poema como “as dores do mundo” e que quer transferir para o leitor o resultado dessa ferida constante que incomoda aqui e ali, intermitentemente, por vezes em um ou mais versos dentro dos poemas.

A realidade insuportável deve ser tratada e retratada pela poesia. Mastigar a podridão do mundo, cuspi-la em seguida, pisoteando-a na sua incompreensão - e a carta 13 do tarô reaparece para justificar-: “O temido arcano da morte não decifra seus mortos.” O que clarifica o diálogo sempre difícil que o poeta tem com a tentativa de compreender o mundo: “O mundo girava sozinho na corda de um eixo/ invisível.”



Até que ponto a poesia pode dar conta de revelar esse “eixo invisível” é que complica a ideia de uma poesia social (no pior caso, que não é o de André Luiz, poesia sociológica). Por isso (talvez como autoconsciência da dificuldade em redimir o mundo com a poesia -essa é sua fragilidade e virtude) a descrença no sentido atual da poesia que pipoca várias vezes no livro, e em confluência com a denúncia social, como no caso seguinte: “A poesia/ não há/ de vingar. (...) A poesia será extinta./ Poetas a sepultarão./ Será eliminada como eliminado pela polícia/ favelado fujão.”

No fundo dessa intricada – e porque não, difícil - relação entre o real e a construção poética, ainda resta para o poeta a consciência de que o buraco da poesia é mais embaixo, ele sabe disso, apesar da dívida que tem com seus pares injustiçados pelo mundo:

Poemas não pedem para nascer.
Deslocam o ponteiro daquilo que funciona.
Cinco dedos são insuficientes
muito menos uma cabeça para pensar.
Para fazer um poema funcionar,
ausenta-se de todas as regras
bota o coração na ré.
É preciso ter fé de que nada vai dar certo
para escrever como
se fosse.

Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 8/2/2022

 

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