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Segunda-feira, 25/3/2002
Obrigado, GV
Eduardo Carvalho

FGV

Eu estudo na melhor escola de Administração de Empresas da América Latina. E não tenho o menor orgulho disso. Não que eu ache que os outros não possam ter: essa é uma questão pessoal. Tenho dificuldade para me identificar com qualquer tipo de instituição. Não gosto da idéia de pregar um adesivo com iniciais na testa e assumir, além de qualidades que não tenho, defeitos que não quero ter. De problemas, bastam os meus.

Acontece que algumas idéias das empresas, seguindo uma tendência natural, contaminaram minha escola de Administração: e parece ter se tornado, ela mesma, uma empresa. Uma escola pode – e deve – ensinar como podemos fazer dinheiro fabricando um produto ou prestando um serviço competentemente: é inaceitável, porém, que a lógica do mercado vigore nos corredores da academia.

Ou seja: o preço da coxinha, dentro de uma escola, deve ser mais baixo do que em qualquer outro lugar da cidade. Seja em uma escola de Administração de Empresas ou de Ciências Sociais. Não importa: os consumidores ainda são estudantes. A cantina deve prestar um serviço eficiente, deve, indiscutivelmente, recolher lucros, mas não pode, de forma alguma, fazer o que está fazendo: abusar do seu monopólio.

As folhas avulsas, por exemplo, são estrategicamente distribuídas com três furos, para que se obrigue o aluno a comprar o fichário da escola e, depois, mais folhas com três furos. É querer sugar até a ultima moeda do bolso de quem já paga uma mensalidade relativamente alta. E que não pode estudar à noite para trabalhar durante o dia, porque as classes que foram do curso noturno de graduação estão, agora, ocupadas por outros cursos, que geram mais lucros.

Se o aluno, ainda, pelo motivo que for – descansar do ambiente escolar ou passar um semestre no exterior desvinculado da escola -, trancar sua matrícula, precisará pagar, indiscutivelmente, metade da semestralidade do curso. Não fosse um sistema de fundo de bolsas prático, mas que também precisará ser pago posteriormente, seria, aí, uma completa exploração financeira. Por enquanto, é quase. Ainda que aleguem repetidamente, com motivos mal explicados, que o curso dê prejuízo.

As classes são completamente equipadas com cadeiras confortáveis, mesas novas e boas, televisões, computadores, projetores, ar condicionado, etc. Mas a propaganda que as empresas que doaram esse material fazem, dentro da própria classe, é desnecessariamente agressiva e feia. Dizem que existe lista de espera de empresas querendo patrocinar essas salas de aula. Por que não, então, controlar a distribuição de pôsteres, o tamanho do nome da empresa, a irritante divulgação de slogans? Ficaria mais bonitinho, pelo menos. Do jeito que está, parece que a independência do conteúdo ensinado é a mesma de uma prostituta exigente: existe, mas tem um preço.

Como, também, o caráter corrompido de alguns alunos que se envolvem tão cedo com politicagens baratas. É triste e evidente que, ainda tão novos, suas preocupações sejam exclusivamente projetar uma imagem simpática e correta para encobrir interesses tão mesquinhos como o de roubar migalhas que sobram no caixa do DA. E, se isso nunca existiu, ainda assim apenas o fato de que se trocam descaradamente acusações nunca averiguadas é assustador.

Como, aliás, também é assustadora a competição selvagem entre os alunos para alcançar as melhores notas, uma ambição infantil e insalubre. Como preparação para enfrentar um mercado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo, o clima na classe fica, às vezes, tenso, quando o comportamento civilizado – i. e.,esperar em fila para falar com o professor – é substituído pela grosseria mais baixa e porca, capaz de desprezar e esmagar qualquer aluno mais bem intencionado. A insistência em se adaptar à personalidade exigida pelo mundo corporativo chega a ser ridícula, e todo mundo exercita, independentemente do seu temperamento, sua habilidade de mediador ponderado e líder carismático copiadas de manuais de psicologia para empresas.

Pela impossibilidade prática de ensinar uma coisa que não se sabe a alguém que não está interessado, seria mais proveitoso, para a Escola e para os alunos, que as matérias de Humanidades fossem na maioria abolidas. A ignorância assumida é decididamente mais saudável do que a ilusão do conhecimento. Como respeitar os “profundos” conselhos de uma professora de Psicologia que não consegue completar um slide sem cometer um erro gramatical? Só mesmo caindo no papo dela, separando indiscriminadamente razão do sentimento e aceitando que, por trás daquele desconhecimento gramatical técnico, ela acumule uma superior sabedoria de vida. Ou como, então, acreditar no discurso filantrópico e pretensiosamente erudito de um professor incapaz de pequenos favores ou, ao menos, acertar onde nasceu Carl Gustav Jung, que ele chama, na mais petulante intimidade, de Carlos Gustavo? E um semestre de Filosofia, justificável apenas pela exigência do MEC, é cansativo e inútil: ocupa tempo e confere a alguns alunos a mesma arrogância do professor especialista em Jung: não entende nada do assunto, mas, como os outros entendem menos ainda, seu parco conhecimento se transforma em inabalável erudição.

Com todos os seus defeitos, porém, ainda resiste uma indiscutível qualidade: não há nenhum outro lugar, no Brasil, onde se aprenda com tanta eficiência o conteúdo que uma Escola de Administração se propõe a ensinar: como fazer dinheiro. É o lucro, definitivamente, o objetivo de uma empresa normal – e deveria ser, a princípio, o interesse de quem pretende trabalhar em uma empresa. Para o bem ou para o mal, o dinheiro é, hoje em dia, o que move o mundo e, goste ou não, é preciso saber lidar com ele – afinal, é uma das poucas constantes em nossa vida. Pode ser que, no meu caso, eu não tenha aprendido nem vá aprender. Não importa. A Escola, mesmo tropeçando, cumpre a sua parte. E entender como a realidade nesse ambiente funciona, para mim, já é compensador. Não me arrependo, portanto, de forma alguma, de estudar onde estudo. Ao contrário: também tenho, além de muito a reclamar, uma dívida a reconhecer.

Obrigado, GV.

Eduardo Carvalho
São Paulo, 25/3/2002

 

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