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Terça-feira, 31/5/2022
O canteiro de poesia de Adriano Menezes
Jardel Dias Cavalcanti


Pois é, o autor de Canteiro Aéreo não está mais aqui. Este é um livro póstumo. No entanto, a publicação do livro de Adriano Menezes, pela editora Scriptum, nos faz pensar na poesia como resposta ao caráter agônico da vida. A poesia como permanência do Ser, como uma revolta contra a impotência ontológica de nossa condição submissa à fluidez destrutiva do tempo e à lei inelutável da morte. A obra de arte, afinal, pode ser a única e definitiva vitória sobre as ruínas do tempo e os desertos do espaço infinito (como queria Proust).

São 22 poemas. No geral, eles falam da vida que não é possível, mas que a palavra, o verbo, pode iluminar. São os espaços e acontecimentos fadados ao desalento que invadem os versos. No entanto, a percepção deles faz brotar a inesperada revelação de sua poeticidade.

Talvez o melhor poema do livro, nesse sentido, seja (embora todos sejam bons) “Praça Tiradentes”. Aqui se fotografa o irrealizável. O desejo brota da visão das “pernas cruzadas”. Mas a desamorosa perna “alheia aos olhos do chofer” o faz desaparecer “empedrado e invisível dentro do carro”.

Não se tome o poema como um afã erótico normal, pois aqui se revela a distância entre a imagem e a vida, entre aquilo que é o elã vital da existência e seu fracasso subsequente. “Uma coisa bela é uma alegria para sempre”, dizia Keats. Sim, se essa beleza tornar-se poesia, se for resgatada do momento em que desvanece efêmera, se repercute entre as palavras do poeta ganhando novamente anima. A lembrança de determinada imagem, de determinado instante, reacende o fogo do desejo antes que ele caia em desalento, reafirmando, assim, seu poder de permanência poética.

A “brutalidade da paisagem congelada/ para o corpo que passa” (como em “Meus olhos”), parece nos dizer que o leitmotiv dos poemas de Adriano Menezes se faz através dessa oposição entre o que é visto (e desejado) e o que é experimentado como frustração. Essa diferença, ou mesmo contraposição, entre a imagem-signo e o corpo que a observa, é o aditivo que alimenta seus poemas. Os versos “Petrificado/ por suas sandálias amarelas de mulher”, ainda no mesmo poema, retoma essa diferenciação entre a imagem e sua observação petrificada. Mas, tornada matéria dura pelo poeta, a imagem naufraga por uma lado e, em seguida, é resgatada, por outro lado, como poesia.

Outro poema marcante é “Cavalo”, que apresenta a mesma oposição entre a imagem e a força orgânica, exibindo novamente a contraposição entre imagem e vida. Além de sua aparência de domesticado, que serve para os retratos apenas, o cavalo guarda uma força interior, “a corrente crua da brutalidade”, que arde como uma força antiga, resguardada imemorialmente.

São impressões autênticas as que brotam da poesia de Adriano Menezes. Fixadas nos poemas, revelam grande sensibilidade na observação daquilo que se dispersa, como se o “eu” que experimenta o que se perde lutasse para revelar a inquietação dessa percepção.

Desse modo, a verdadeira existência do poeta resulta de um fracasso: a impossibilidade de se unir o que se vê - o que se desejav- e a vida. Só numa dimensão extratemporal, para além da vida e da morte, na constituição da POESIA, se pode encontrar o sentido da “verdadeira vida”, que está para além da memória do escritor (já que também a “memória é estado de vapor”, como no poema “Lugar errado”).

Não há permanência senão na concretude da linguagem, lugar errante (o poema), onde o fim, derradeira página da existência, é derrotado pelo afirmar-se e revivescer-se da leitura do livro de poesias por seus amantes.


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 31/5/2022

 

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