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Terça-feira, 9/8/2022
Elvis, o genial filme de Baz Luhrmann
Jardel Dias Cavalcanti


Em Elvis, a música negra encarna em um corpo branco. Um filme delirante, ao ritmo do requebro de Elvis, e da potência explosivamente sensual do rock, que teve sua fonte no gospel e no blues.

A base narrativa do filme de Baz Luhrmann sobre Elvis é a relação do astro do rock com o coronel Tom Parker, vivido por Tom Hanks, seu “descobridor” e empresário.

No filme, Parker não só dirige a carreira de Elvis como sua vida pessoal e ― a grande sacada do filme ― torna-se também o narrador da história do cantor.

O intérprete de Elvis é o ator Austin Butler, que encarna perfeitamente a beleza estonteante de Elvis e sua presença marcante na libido de seu público.

O fato de voarem calcinhas sobre o palco de Elvis é o elemento que demonstra o significado que o movimento erótico da pélvis do cantor produziu naquela geração de mulheres reprimidas e que ansiavam pela libertação de sua sexualidade. O frisson erótico-histérico de suas fãs demonstra a verdade da teoria de Freud sobre a relação entre repressão da sexualidade e histeria.

O “tom negro” da voz de Elvis é outro elemento de poder alucinatório sobre a libido das mulheres. Naquele contexto, é como se a sensualidade negra pudesse entrar de vez dentro do universo da sexualidade branca. Elvis assim o permitiu.

O diretor Baz Luhrmann conseguiu reunir num filme de mais de duas horas todo o percurso da vida de Elvis, seja em relação ao sucesso de sua música, ao seu drama amoroso, à sua relação com a indústria cultural e seu fatídico final como cantor de hotel para os turistas bregas de Las Vegas.


O ritmo com que o filme é montado é de tirar o fôlego, e as cenas que se cruzam, como por exemplo a da visitação do menino Elvis aos rituais delirantes da igreja, onde desmaia em êxtase... E as sessões de blues negro que o inspiram, que se casa com a apresentação do cantor, jogando sobre o público uma carga elétrica, que talvez só poderíamos experimentar se estivéssemos num show do próprio Elvis.

O efeito, arrisco a dizer, é de uma experiência com drogas alucinógenas. O efeito catártico que o público experimenta, nos leva ao mesmo ponto de emoção.

Outro elemento forte no filme é o de mostrar a transformação cultural operada por Elvis na imagem do macho rígido... que se transforma em homem sensual. Seu corte de cabelo, sua pintura/maquiagem e mesmo a roupa clara/rosa com que se apresentava no palco ― e, ainda mais relevante, os movimentos de sua pélvis, um requebrado enlouquecedor para a época (que gerou, aliás, ações repressoras sobre o artista em todos os jornais da época, que o chamavam de “imoral e afeminado”). São elementos que alteram o corpo do homem e sua forma de se colocar no mundo.

Há outro elemento sobre o qual devemos estar atentos (nessa transformação e impacto que Elvis gerou sobre a cultura branca): muito da censura sobre suas atuações está ligada ao fato de que sua música e seu "estar no mundo", seus trejeitos e voz, lembravam os negros... E a cultura racista americana não perdoava esse afronta, levando o cantor a sofrer processos por isso. O filme deixa essa questão bem clara.

Para o diretor, o palco é o centro sobre o qual toda a periferia da vida de Elvis acontece. É durante os shows que Elvis afirma sua potência erótico-musical, toda a negritude da cultura que entrou por suas células e que, através das suas apresentações, reverbera em tom sensual e alucinatório sobre o público extasiado que o “devora”.

O filme é sobre a música e a cultura americana, mas também sobre a carreira de um homem ― por isso traça-se o percurso do anonimato à “decadência”, com os momentos gloriosos e os revezes artístico-existenciais do cantor.

O roteiro é brilhante nesse sentido, ao amalgamar todas as tensões dessa existência em pequenas cenas que resumem os fatos extraordinários e ordinários de sua carreira.

Fez falta, no filme, a revelação do encontro de Elvis com os Beatles (afinal, trata-se dos Beatles), quando John Lennon faz a ele uma dura crítica por vê-lo abandonando o rock e optando por canções melosas para seus filmes. A resposta de Elvis, a essa crítica, foi enviar uma carta ao presidente dos Estados Unidos, acusando John Lennon de ser comunista e pedindo que não deixe mais os Beatles tocarem no país.

Embora o filme seja sobre a vida de Elvis, não podemos esquecer também que estamos diante de um filme ― que tem que funcionar como cinema, e que seja cativante dentro do que se propõe a ser: arte cinematográfica.

Portanto, gostando ou não de Elvis, de sua música e de seus comportamentos, o espectador está diante de um filme excelente, impactante, por seus elementos plásticos que não o deixarão indiferente. É uma orgia visual da qual duvido que alguém se recuse a participar.


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 9/8/2022

 

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