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Quinta-feira, 20/7/2023
The Player at Paramount Pictures
Elisa Andrade Buzzo

O que o guia não explicou, o próprio cinema com seus tentáculos e seu ilusionismo contou. Bem ou mal, foi isso mesmo o que aconteceu em uma sessão de cinemateca, já distante de Hollywood, mas imersa na trama que poderia se passar em um grande estúdio qualquer, mesmo na Paramount.

The Player (Robert Altman, 1992) começou de chofre lançando uma série de referências cinematográficas, a movimentação de um estúdio e seus produtores, suas secretárias, suas decisões, seus roteiristas, seus almoços, jantares e cafés da manhã de negócios, suas puxadas de tapete master; e eu me senti atingida por aquela dimensão que se tornava orgânica diante de meus olhos, um vislumbre de uma realidade, embora inventada, que eu queria adentrar.

Projetava-se um turbilhão de situações satirizadas da indústria dos filmes, que mesmo só tinha seu ritmo amainado diante de uma outra realidade: a de uma artista plástica, espécie de good girl, gélida mas angelical, que não gostava de ler, que não produzia sua arte para venda, apenas para seu deleite em uma casa com ares brancos, transparentes, cheirando a fotografias recém-tiradas e tinta. E é isto que enfeitiça o jovem executivo ameaçado por um roteirista.

No entanto, e porque o longa é um tipo de neo-noir que brinca com o próprio cinema, que tensiona sem lesionar, e que portanto realiza o happy end mais ilusório que já vi, o clima nos escritórios do estúdio retorna, em uma dança de venetian blinds, de pôsteres de filmes clássicos expostos até a exaustão, de ameaças em cartões-postais, em uma camada temporal efêmera, gasta, de gravatas bregas e coloridas e ternos de corte largo, de telefones celulares-tijolão, que já nos parece mais antiga do que o próprio mundo noir dos anos 1940-50.

E o segundo contraponto ao primeiro, o do refúgio na casa clara do ser angelical, são as cenas do Rialto Theatre, em Pasadena, obscuras, fechadas, prontas a desencadear a acalorada discussão e a sentenciar a presença inexorável do crime, como um sentimento que ocorre, depois da projeção daquilo que seria um filme como arte (mais um contraponto, desta vez relacionado em oposição com as produções de indústria): Ladrões de bicicleta.

Ao contrário de Sunset Boulevard (a maior sátira sobre Hollywood?), com personagens grandes que se engrandecem até, finalmente, à loucura, em The Player o que temos são personagens particuladas, em movimento, em prol de uma engrenagem ácida e rápida, que podem ser prototipadas a ponto de elas mesmas acabarem tornando-se peças projetadas de um filme padrão dentro de um filme atípico.

Mas o que eu havia perguntado um dia nos estúdios da Paramount, alojada em um carrinho de golf com mais cinco visitantes, e um guia nos conduzindo pelas ruas do estúdio, foi (e havia greve dos roteiristas, coisa que não foi mencionada): como é o sentimento de estar na Paramount cheia, com os atores, os diretores, os funcionários todos trabalhando, por detrás dessa engrenagem que se instalava como invisível?

Naquele dia em que nada, nada acontecia por detrás do arco histórico do mundo cinematográfico hollywodiano, as respostas do guia foram um tanto evasivas. Mas foi sorte ter topado com essa sessão de The Player. Todos que passaram pelos quadrantes da cidadela Paramount, Norma Desmond, Jerry Lewis, Mister Spock, Lucille Ball e sua Desilu..., citados ou vistos nas placas dos grandes estúdios, em um domingo parado e pacífico, estão todos quietos, e talvez por isso todo o barulho daquele filme ressoe em minha cabeça como um rodamoinho, a ponto de eu achar que vi algo além, de trás.

Elisa Andrade Buzzo
Porto, 20/7/2023

 

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