busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Sexta-feira, 29/3/2002
Anything goes
Rafael Azevedo

Bienal
Antigamente havia sempre na Bienal, pelo menos, o tal do “Núcleo Histórico”, onde ainda podíamos encontrar arte de verdade. Agora, isso acabou; estamos entregues aos charlatões do mundo inteiro. Pessoas que imagino por absoluta falta de talento e capacidade para dedicarem-se a outro métier empulham-nos com, entre outras coisas, o que imaginam (ou querem que imaginemos) ser a sua visão sobre pobreza, poluição, trânsito e outros problemas que afligem as grandes metrópoles modernas. E tome as habituais instalações, nome repulsivo para algo ainda mais escatológico; impossível definir com exatidão, pois a definição engloba todo tipo de representação, desde aranhas gigantescas de metal a gigantescos videowalls mostrando imagens de japoneses nus, passando por vacas fatiadas e carros sendo esmigalhados a golpes de marreta. As grandes atrações deste ano? Bom, não iria ao pavilhão da Bienal nem que me pagassem os cachês somados de todos os “artistas” que lá se apresentam, mas a se julgar pela cobertura da imprensa, há a sala onde se pode ouvir e ver risadas (!), há a sala das privadas, a sala do... bem, vocês pegaram o espírito. Ah, como podia esquecer, há também as famosas 50 mulheres nuas! (você que me encontrou pelo Yahoo – sorry, nada de imagens aqui!), que poderiam até me agradar, fossem elas bonitas e não estivessem cobertas por tinta verde, vestindo perucas ridículas...
Se alguém aí conseguir entender algum significado minimamente profundo numa sala com um bando de privadas, ou n’outra onde se ouve e se vê um sujeito gargalhar, let me know. Há anos tenho estudado, pesquisado, lido, tentando compreender a burrice. Mas ainda não consegui “solucioná-la”. Existe ali um mistério que me é impenetrável; e talvez este seja o “elo perdido” que tanto tenho procurado.

In olden days
E pensar que já houve uma época em que a arte era realmente contestadora, opunha-se a algo, protestava, gritava, esperneava – pero sin perder la compostura jamás. E não está longe não, este tempo – esqueça Warhol, Duchamp, e outras empulhações; lembram-se de Stravinsky, Shostakovich? Kandinsky, Mondrian? Acho que não, vocês são todos tão novinhos. Acho que só nós mesmos, sexagenários natos, ainda gostamos dessas velharias.
Mas duro mesmo não é ter que se contentar com um mundo sem essa grande arte; é ter que aguentar os artistas soi-disants de nossos dias, apelando a toda espécie de vulgaridade, como colocar toda espécie de escatologias, vômitos, pessoas nuas, peidos, arrotos e merdas, e ainda discursarem durante laudas e laudas sobre a genial contestação de valores que eles e os coleguinhas realizam. Como crianças, sentadas no jardim de infância, rindo e lambuzando-se de massinha, à espera da bronca da tia que nunca vem. E ainda tem quem lhes aplauda...
Vale tudo, ou como diria o velho Cole, anything goes...


MST
Invasão constante de fazendas produtivas. Destruição de lavouras. Intromissão intolerável da privacidade do Presidente da República, farras em seu quarto, sobre sua cama, saque à sua adega. Garrafas de Johnny Walker e vinhos franceses pelo chão da sede. Vandalismo generalizado. Já não é hora de medidas mais drásticas serem tomadas quando aos chamados “sem-terra”, como por exemplo, o banimento da organização, e a prisão sumária de seus líderes? O movimento claramente não representa massas excluídas como apregoa; é político, e representa a mesma esquerda, perigosa e delinquente, que está no poder em Cuba e tenta tomar o poder na Colômbia através das FARC. Seus líderes seguem e pregam cegamente o retrocesso, tudo o que deu errado na história no século que passou, enquanto seus seguidores, uma turba ignara, semi-analfabeta e mal-intencionada, participa de ações assim muito mais pela baderna, ou por outros motivos igualmente torpes, do que propriamente pela esperança de conquistar um tão-sonhado “pedaço de terra”. Garrafas de whisky e vinho importado largadas pela fazenda, e objetos retirados da sede e jogados no mato dificilmente contribuirão para melhorar, se é que isso é possível, a imagem de “defensores dos oprimidos” deste bando de vagabundos.
O que me espanta na história toda é que o movimento parece possuir toda uma logística, uma infraestrutura, que já deveria ter sido desbaratada, ou pelo menos melhor monitorada, se houvesse uma central de inteligência no governo que pudesse, ainda que minimamente, ser assim denominada. Quem é que fornece ônibus para essa gente? Armas? Mantimentos? Quem é que lhes fornece todo o equipamento com que constroem assentamentos, quem lhes fornece as foices e facões com que ameaçam donos de fazendas? Não sei se estou sendo ingênuo, mas não seria mais fácil atrapalhá-los antes que cometessem seus delitos? Seria muito menos desgastante para o governo ter evitado a invasão à fazenda de Fernando Henrique, do que ter de desalojá-los, dando mais chance para os canalhas explorarem politicamente o ocorrido, inventando essa lorota de um “pacto” que teria sido feito para livrar o rabo deles da reta, e que não teria sido cumprido pelo governo. Mas pelo menos desta vez há de se louvar que nada foi feito com violência, e que alguém foi preso. Invasão de propriedade privada é crime, e nenhum país que quer ser levado a sério negocia perdão com criminosos.

He’s just the president, my dear...
Agora engraçado mesmo é ouvir certos idiotas que tiveram sua voz ampliadas pela mídia, bradando revoltados contra o fato do exército ter sido empregado no desalojamento dos sem-terra. O argumento que é expelido de suas cabeças, como excremento de um doente com diarréia, é de que seria injusto o exército e a polícia federal participar desta operação, e não de todas as outras terras invadidas por esta trupe fanfarrônica. Tá certo, afinal, é um cidadão como todos nós... dona nobis patientiam, domine – com o insignificante detalhe de ocupar o cargo mais alto do país. Mas é assim mesmo, tem gente que não enxergaria a verdade nem se ela lhe fosse enfiada goela abaixo, ou por outro lugar acima.


Faroeste caboclo
Dizer que as coisas não mudaram muito em nosso país desde a época das capitanias hereditárias é desnecessário; agora falar isso do Nordeste, e em especial de lugares como o Maranhão, é “chover no molhado”; esses lugares são feudos, pura e simplesmente. Tal como Antônio Carlos Magalhães há alguns anos atrás na Bahia (imagino que ele tenha se desgastado um pouco com os inúmeros escândalos envolvendo seu nome), a família Sarney manda e desmanda lá; possui canais de TV, rádio, deve ter conexões financeiras e inúmeros conchavos através do território do estado. Já imagino Don Sarney na varanda de sua casa de campo, de botas e chapéu na cabeça, sacolejando o braço à la Sinhozinho Malta e esbravejando: “aqui a cunvérsa é outra! Tudo esses cabra frôxo cómi na minha mão!”
Pois não é que ele aprontou mais uma? Não entendo, sinceramente, como não é feita alguma espécie de intervenção federal nestes estados. Alagoas é uma verdadeira terra de ninguém; em algum outro lugar o senador Ronaldo Cunha Lima, sentindo sua honra ofendida por Tarcísio Burity, que concorria com ele em alguma eleição local, simplesmente entrou num restaurante e deu-lhe um tiro na boca, na frente de todos – inclusive a família de seu rival, que observou tudo, atônita. Detalhe: Cunha Lima é até hoje o representante do estado no Senado Federal. Pois bem, Sir Ney não demorou a atender os choramingos de sua filhinha, melindrada e ofendida com a ousadia do governo em investigar as irregularidades encontradas em sua empresa, e o dinheiro “inexplicável” que lá se encontrava; fez discurso inflamado no Senado, deu entrevistas esculhambando o presidente, se acusou publicamente de ter cometido um crime, ao confessar que avisara o seu genro a se livrar de determinados documentos. Agora a famiglia conseguiu o impensável: resolveu peitar nada menos que a Polícia Federal. Até onde vai a falta de respeito pelas instituições nacionais, seja na forma da pessoa do presidente ou dos diversos órgãos governamentais, tanto pela parte da direita como da esquerda, é algo digno de ser estudado mais a fundo. Sir Ney conseguiu que uma juizinha qualquer expedisse um mandado de busca e apreensão a uma casa onde a PF se instalara enquanto realizava operações sigilosas; em pouco tempo vários carros da Polícia Militar maranhense estavam lá, fortemente armados, e com um oficial de justiça que portava o mandado. Segundo a UOL, pouco antes da “invasão” da PM um carro da televisão local que pertence a Sarney pôde ser visto rondando a casa; ao tentarem entrar em contato por celular com a juíza, os repórteres ouviram a “linha cair” (sic) quando ela foi perguntada sobre quem havia pedido a expedição do mandado. Logo chegaram mais policiais federais, também de armas em punho, e houve até um princípio de entrevero. Os PMs saíram de lá, é claro, sem ter apreendido nada; mas o estrago já estava feito.
Se isso não é uma declaração de guerra ao governo, não sei o que é. Resta saber se Fernando Henrique, que não primou exatamente pela coragem, em seu governo, irá comprar a briga.

Rafael Azevedo
São Paulo, 29/3/2002

 

busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês