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Quinta-feira, 11/4/2002
Trem Fantasma
Juliano Maesano


Trem Fantasma, esse é o nome do livro que li em poucas horas, numa dessas noites de meio de semana. Confesso que, ao escolhê-lo como minha leitura, eu não sabia o que me esperava, mesmo. Quem escolher lê-lo, a partir dessa coluna, pelo menos o fará com mais conhecimento do que eu tive. Entendam: vale a pena lê-lo.

Serei sincero: antes de iniciar suas páginas, assistia televisão com minha noiva, que fez aquela famosa pergunta que nossas namoradas e noivas costumam fazer: "Que bilhete é esse?", "De quem é essa foto?" ou "Que livro é esse?" Nesse caso ela perguntou do livro, é claro...

- Acho que é um livro gay... - respondi, sem tirar os olhos da tela.

Ela me olhou meio ressabiada, mas o incrível ocorreu depois... para minha surpresa, ela começou a folhear o livro e leu todo o começo. A cada dez segundos ela me chamava e lia um trecho, como que para mostrar seu "espanto". Explicação: o espanto deve-se ao fato de Carlos Hee, o autor, usar de uma escrita bem coloquial e informal, lançando mão de palavras e termos um pouco fortes, poderia-se dizer... resumindo, dentro deste livro você encontrará "palavrões" pesados, com termos, gírias e frases que podem espantar os incautos. Esses casos acontecem normalmente quando Hee resolve detalhar os atos sexuais e explicar as relações.

Por falar no autor, uma breve "geral"... Carlos Hee é um jornalista que passou a maior parte de sua carreira escrevendo sobre música e televisão. Hoje trabalha no Estado de São Paulo, junto com Cesar Giobbi em sua coluna social Persona. Aliás, o prefácio do livro é escrito por Giobbi...

Bem, o livro trata mesmo do mundo gay, principalmente como este era na década de 80. Carlos Hee traça paralelos entre essa sociedade em São Paulo, mas espalha um pouco com viagens para Nova York e histórias de São Francisco, é claro. Como não poderia deixar de ser, o pano de fundo do livro é a chegada da "peste gay", como era chamada a AIDS, na época.

Engraçado descobrir detalhes desse mundo gay, que a mim parece bem diferente do atual cenário GLS, que hoje é moderno e pode incluir quase todo mundo. O mundo gay que Hee nos mostra é gay mesmo... pesado, até decadente...

Depois de ler, me perguntei como foi que consegui lê-lo completa e rapidamente. Não deveria me assombrar com essa promiscuidade gay que encharca as páginas? Parece que não, Trem Fantasma traz uma escrita leve, rápida e muito interessante, mesmo para quem não tem nada a ver com o mundo gay, como eu e muitos de vocês. É incrível descobrir como eles namoravam, onde iam, o que faziam. Absurdos como entrar em banheiros de praças públicas e se relacionar com quem estivesse lá... após essa leitura fica bem claro como a AIDS se alastrou por aí. O negócio era pesado mesmo...

Muito interessante também é ver como funcionavam os bares, casas noturnas e saunas direcionadas aos gays. Hee nos conta os trâmites, as cantadas manjadas, as aproximações e até lendas que devem ter ficado para a história, como a de um cara se exibindo numa banheira, cercada de marmanjões.

Se as histórias são todas reais experiências de Carlos Hee, o mínimo que se pode dizer é que ele é um cara corajoso. Abrir assim sua vida e falar de amigos levados pela peste gay não deve ser fácil. Incrível também é ver que ele e outros conseguiram escapar do mal que os assombrava... pois, mesmo sabendo da existência do monstro, eles se arriscavam a dar mais uma volta no trem fantasma, como garotos que morrem de medo do boneco estático e mal-feito que os assusta no brinquedo escuro, mas mesmo assim entram na fila novamente... para mostrar sua coragem às menininhas ou para sentir a adrenalina... mesmo fechando os olhos.


Juliano Maesano
São Paulo, 11/4/2002

 

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