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Quarta-feira, 15/5/2002
Dois em um
Rennata Airoldi

Nesta semana, esta coluna é especial. Apesar de trazer como título "Dois em um", posso afirmar que as informações aqui apresentadas são do tipo mil em um. Desde já, quero deixar claro que não sou sócia do Teatro Ágora e que as opiniões a respeito deste projeto (e de outros espetáculos que já estiveram presentes nesta coluna) são livres de qualquer pedido ou solicitação, ou até mesmo "camaradagem" da minha parte. Na verdade, acho que a minha função enquanto profissional de teatro é divulgar as boas iniciativas desta Arte em nossa cidade.

No segundo semestre de 2001, realizou-se o "Projeto Ágora Livre - Dramaturgias" que revelou novos textos de vários autores consagrados. Essa iniciativa foi merecedora do Prêmio Shell na categoria Especial de 2002. Não há como justificar em poucas palavras a importância de um movimento como esse, que coloca o profissional, o espectador e o autor frente a frente, revelando todas as possibilidades do texto dramatúrgico. O projeto possibilitou aos autores um contato direto com o público e a renovação de sua obra. Ao mesmo tempo, proporcionou aos profissionais um contato direto com os textos que porventura serão montados. Foi exatamente o caso dos dois espetáculos de que destaco a seguir: "Sobre a Arte de Cortar Bifes", de Hugo Possolo e "Ato Sem História", de Luís Alberto de Abreu.


"Sobre a Arte de Cortar Bifes" é uma comédia bem interessante que à primeira vista pode parecer superficial se levada ao "pé da letra". Isso porque a ação cênica ocorre dentro de um açougue. Os três açougueiros interpretados por Jairo Mattos, Gilmar Guido e Ricardo Rathsam, enquanto cortam a carne, conversam sobre questões muito significativas e eu diria até existenciais. O mais importante, porém, é que a discussão sobre a arte de cortar aqueles pedaços de carne é apenas uma metáfora utilizada pelo autor para falar de nossa arte. (Nosso teatro tão invadido por estranhos...) Há um momento brilhante em que um dos personagens diz não saber direito porque está ali, mas sabe que almeja (para o futuro) algo que não é exatamente aquele trabalho de açougueiro. Seu companheiro retruca, indicando que se ele não tem por que estar ali, se é mero passa tempo, que ele então deixe o caminho livre para outro, não tirando assim o lugar de quem quer realmente exercer aquela profissão. Alegorias à parte, os curiosos são muitos... já os profissionais, poucos!

A linguagem que beira o "Clownesco", com repetições de gestos e tom cômico, tornam o espetáculo um bom entretenimento além de, é claro, proporcionar uma auto - reflexão. Não se trata nem de uma comédia chula e sem conteúdo, nem de uma pesquisa profunda, inatingível. Ao contrário, é um espetáculo com excelente apelo popular, sem ser banal. Para completar a trama, existe ainda uma quarta personagem, Tália (Mari Mazzo), funcionária do açougue e única mulher na peça. Os três amigos resolvem então buscar algo mais nessa "arte de cortar bifes", sugerindo uma ação conjunta, em que Tália, sem tempo para escapar, protagoniza um plano revolucionário.

A peça estará em Cartaz no Teatro Ágora até o dia 26 de maio, de Quinta a Sábado, às nove da noite, e aos Domingos, às sete da noite. A direção do espetáculo é de Jairo Mattos.


Já em "Ato Sem História", nos deparamos com um tempo e um gênero bem diferentes da peça anterior. Com direção de Roberto Lage, o tom escolhido é bem intimista, aproximando ao máximo o público dos atores-narradores. Conta-se uma história que se passa numa "época em que se usava chapéu"! Utilizando-se de uma narrativa não-linear, o autor mescla o lirismo e o imaginário. Em cena, três homens e uma mulher: Maurício Inafre, Charles Geraldi, Camilo Brunelli e Ciça Carvalho Pinto. Cada personagem traz um pouco de uma história que vai se somando e se desvendando ao longo da narrativa, deixando sempre um leve suspense no ar. De qualquer forma, não se trata de uma peça densa ou cansativa. Apresenta momentos tocantes, assim como "A Arte de Cortar Bifes", e tem curta duração.


Aqui chego ao início novamente (quero dizer, volto ao "Dois em um" do título). "Ato Sem História" está em cartaz no Teatro Àgora até o dia 26 de maio. De Quinta a Sábado, às dez e meia da noite, e aos Domingos, às oito e meia da noite. Assim, fica a sugestão a vocês, caros Leitores: assistir a uma dupla sessão de teatro. Duas peças curtas com um intervalo onde se pode desfrutar de um café, de uma conversa agradável e até mesmo da companhia dos atores do primeiro espetáculo que se unem ao público no término da peça num "momento social". Infelizmente, mais uma vez, decepcionei-me com o número de espectadores em nossas salas de teatro. Mas não se esqueçam: ainda há tempo de conferir esta dica. Vamos deixar um pouco a "telinha" de lado e alimentar também a alma.

Sobre a Arte de Cortar Bifes
Quinta a Sábado às 21hrs., e Domingo às 19hrs.

Ato Sem História
Quinta a Sábado às 22h30, e Domingo às 20h30.
Teatro Ágora - R. Rui Barbosa, 672 - Tel.: 3284-0290

E atenção: quem assiste aos dois espetáculos ganha desconto no valor do ingresso.

Rennata Airoldi
São Paulo, 15/5/2002

 

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