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Quarta-feira, 22/5/2002
A vida: um teatro
Rennata Airoldi

"Uma vida no Teatro" é uma peça de David Mamet, dirigida por Francisco Medeiros com Umberto Magnani e Beto Magnani. Imagine os bastidores de uma profissão. Agora, imagine assistir a um espetáculo que trata dos bastidores do ofício do fazedor de teatro! Com todas as inseguranças e sonhos contidos nesse verdadeiro celibato... É no mínimo surpreendente; também revelador e poético.

Na verdade, trata-se de um meta-teatro. Eu diria até que é um pouco mais que isso, pois são dois atores em cena, Umberto e Beto; que interpretam dois atores de uma companhia, Robert e John; que, por sua vez, interpretam personagens diversos nessa cena-contida-dentro-da-cena. (Deu para entender o mecanismo?)

O texto não trata apenas de mostrar o que é o trabalho do ator. Como eu disse, são dois atores em cena: um jovem (John, no início de sua carreira); e ator maduro (Robert, esse no fim de sua carreira). Tal arranjo estabelece, evidentemente, o conflito entre as duas gerações. Em qualquer profissão, há aqueles que "saem de cena", enquanto há outros que "entram em cena". O velho sente a dolorosa e solitária sensação de substituição, ao dar espaço para aquele que está chegando. Já o jovem, muitas vezes prepotente e insensato, tem a vantagem de trazer um "novo fôlego" e sonhos que ainda podem ser conquistados; também a cabeça cheia de ilusões, fora a disposição para lutar por um espaço. Em meio a essa troca, surge uma relação de cumplicidade entre as personagens, que convivem dentro e fora da "cena".

É, sem dúvida, um retrato fiel dessa profissão; incluindo momentos hilários na representação de cenas de guerra, naufrágio, amor e traição. Cenas que passam por nós em segundos e que deixam um gostinho de quero mais. Os bastidores, a troca de roupas, a maquiagem sendo feita, a caracterização dos personagens e, porque não?, a conversa pós-espetáculo, no camarim - completam o panorama da "arte do ator", sem floreios. Plagiando o texto: "Somos atletas da alma!".

Assim, volto a afirmar que todo o conflito estabelecido entre John e Robert, nada mais é que o conflito que se dá entre dois profissionais quaisquer, em situações as mais variadas. Sempre entre duas gerações, é claro, mas no meio que for. O sucesso, o fracasso, o saudosismo... enfim, a peça retrata simplesmente, em poucas palavras e muito lirismo, o jogo da vida pois por traz do ator existe o homem.

Sem dúvida, para todos os profissionais de teatro, é uma experiência emocionante assistir a esse espetáculo; é inevitável também sentir-se parte dele. Para aqueles que gostam de teatro, é uma forma de conhecer o ofício do ator; conhecer as inseguranças e até mesmo o linguajar utilizados pela classe. E por fim, para os que nunca tiveram a oportunidade de estar num teatro: finalmente conhecerão todo o mecanismo que envolve a arte de atuar.

Aliás, essa peça já havia sido montada em 1996, sob o título de "Avesso"; e teve em 2001 um novo tratamento. No último ano, a peça circulou por todo o interior do estado levando o teatro à um público que, muitas vezes, não teve contato com essa arte. O que é grandioso nisso tudo é que esse texto faz uma auto-propaganda do teatro, levando assim a mensagem do fazer teatral, no sentido mais lúdico que se possa alcançar. Essa nova montagem contou com uma infra-estrutura mais simples e mais dinâmica. O cenário de Gianni Ratto é simplesmente genial: uma pequena caixa teatral que cabe dentro de uma caixa maior. (Confuso? Mais fácil ver do que explicar...)

A direção é minuciosa e se soma ao trabalho dos atores; esses são capazes de mudar, repentinamente, de um estado para o outro, sem que fique qualquer resquício do que acaba de se encenado. Embora tudo seja feito muito rapidamente, os momentos de "início" e de "fim" da ação cênica estão muito bem definidos (assim como os momentos de transição).

Não faço aqui elogios exagerados mas é que é quase impossível não se envolver e não se apaixonar por essa caixinha de surpresas que é "Uma vida no Teatro".

A peça também comemora 35 anos de carreira do ator Umberto Magnani que parece um garoto em cena, tamanha a paixão e a disponibilidade. Como, aliás, comenta o próprio "Robert": ao término de um espetáculo, no instante em que o ator recebe os aplausos, esquece de todo o resto. Tudo por que passou, todas as dificuldades morrem ali, no ato. E esse calor, essa troca, que é o jogo palco; e a platéia é que faz tudo valer a pena... Como eu sempre digo, é o que traz o sentido à vida de todos que se dedicam a essa arte.

(Desculpem a euforia! Há ainda tanto a dizer... é realmente um turbilhão de idéias que surgem e de momentos ímpares a serem comentados ou, talvez, apenas degustados e digeridos calmamente. Sem dúvida é também uma grande oportunidade para aqueles que não gostam, ou não freqüentam o teatro, mudarem sua postura. Ao "terceiro sinal" é só relaxar e desfrutar de uma magnífica experiência!)

"Uma vida no Teatro"
Teatro Ruth Escobar - Sala Gil Vicente
Rua dos Ingleses, 209 - Tel. 289-2358
De quinta à sábado, às 21h30; e aos domingos, às 20hrs.

Rennata Airoldi
São Paulo, 22/5/2002

 

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