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Sexta-feira, 31/5/2002 Psiquiatra declara Japão Oficialmente Maluco Alexandre Soares Silva Mas o Japão, se fosse uma pessoa, seria um maluco. Inteligente, é claro, e maravilhosamente sensível; muito polido, apesar de umas grosserias grotescas de vez em quando; nem bonito nem feio, mas cultuador da beleza; autoritário e subserviente ao mesmo tempo; e inteiramente maluco. Sempre achei isso, mas agora é científico. O Dr. Javier Zaburra, responsável pela World Psychiatric Association (ligada à WHO.), divulgou no dia 5 de Maio um relatório em que, basicamente, ele e sua equipe diagnosticaram todo o Japão como sendo "portador de distúrbios psiquiátricos". Isso me parece tão maravilhoso, nesta época tão aberta que chega a ser escangalhada, em que não há propriamente malucos, só pessoas diferentes de nós, e na qual nenhuma cultura é inferior à outra (sei, sei), que resolvi comentar alguns detalhes do relatório assinado pelo Dr. Zaburra. Sigam-me, pois: pelo menos aqueles que compartilharem um pouquinho do meu prazer em chamar uma nação inteira de maluca. Que é o prazer, claro, de falar uma bobagem, mas com alguma verdade emaranhada nela. Oh, é claro que a palavra "maluco" não é usada nenhuma vez no relatório do Dr. Zaburra - como a palavra "morte" nunca é usada num folheto de cemitério. O que o relatório diz é que o Japão, como cultura, é "portador de distúrbios psiquiátricos". Como cultura, note. Friamente, cientificamente, toda essa nojeira de correção política é jogada pela janela e o Ocidente, afinal, confessa que acha o Oriente não só diferente, não só exótico, mas maluco. Que a ilha toda do Japão devia ser internada: ninguém sai. O que vai tornar lugares como Paris e Veneza muito mais agradáveis: imagine o Louvre e a Praça São Marcos sem japoneses. Se os brasileiros também não puderem sair do país, mas eu puder, por algum motivo misterioso, vai ser mais encantador ainda. O relatório se baseia no DSM-IV, que é uma codificação de diagnósticos psiquiátricos. Vou colocar abaixo, por exemplo, alguns dos diagnósticos apontados pelo relatório, seguidos pelos meus comentários - porque o relatório é um tanto seco (como um protestante falando sobre comida) e precisa de uma voz humana natural comentando isso ou aquilo. Seguindo os critérios do DSM-IV, o Japão, por exemplo, é diagnosticado como tendo características de (pág. 7 do relatório): * 302.89: Pedofilia - Ao longo de um período de seis meses, fantasias sexualmente excitantes recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo atividades sexuais com uma (ou mais de uma) criança pré-púbere. * 301.20: Transtorno de Personalidade Esquizóide - (7) demonstra frieza emocional, distanciamento ou afetividade embotada. Meu comentário: Ausência de humor. Ah, há humor físico no Japão - lembro sempre de um cachorro fazendo xixi na cara de um guarda num desenho chamado O Judoca - mas não há nenhuma forma de humor mais alto ou mais desenvolvido. Não há witticisms ou bons mots; não há Oscar Wildes. O japonês que mais se aproximou de Oscar Wilde é Yukio Mishima - mas não foi pelo humor, que ele não tinha, e sim pelo decadentismo, que é mais fácil de copiar. Não: se você quiser fazer alguém rir no Japão, vai ter que cair de bunda numa frigideira - o que é a mesma coisa que não ter humor nenhum. * 301.4: Transtorno da Personalidade Obsessivo-Compulsiva - Um padrão invasivo de preocupação com organização, perfeccionismo e controle mental e interpessoal, às custas da flexibilidade. (8) Rigidez e teimosia. Meu comentário: Rigidez mental. Japoneses são linhas retas; chineses, linhas curvas. Basta contrastar os movimentos curvos do tai chi com os movimentos retilíneos do caratê; a suavidade de um e a rigidez do outro. Japoneses sempre me lembram o diamante da parábola de Nietzsche. Vocês sabem, está em Zaratustra: um pedaço de carvão pergunta para um diamante: "Por que você é tão duro? Por acaso não somos irmãos?" E o diamante responde: "E por que tão moles? Ah, meus irmãos, eu vos pergunto: não sois vós ao fim e ao cabo meus irmãos? Por que tão moles, tão suaves e flexíveis?". Pois bem, os japoneses são os diamantes da parábola de Nietzsche, e nisso são loucos como Nietzsche. Os chineses, por outro lado, são carvão - e sorte deles. Foi Lin Yutang que uma vez viu um grupo de japoneses num bonde - "maxilas cerradas, olhar feroz" indicando "mórbida força de vontade" - e deu graças aos céus por ser chinês. A solução talvez fosse essa: os japoneses se tornarem um pouquinho mais chineses? * 301.22: Transtorno da Personalidade Esquizotípica - A (...) distorções cognitivas ou perceptivas e comportamento excêntrico. (2) crenças bizarras ou pensamento mágico. Meu comentário: Fantasias recorrentes em que monstros gigantescos se erguem do mar, destruindo cidades. Para um povo de ilha, pode parecer natural ter uma certa ansiedade envolvendo o mar e a destruição de todo o país - até que nos lembramos que a Inglaterra é uma ilha e nunca sonhou com Godzilla. * 301.82: Transtorno da Personalidade Esquiva - (...) sentimentos de inadequação e hipersensibilidade à avaliação negativa. (4) preocupação com críticas ou rejeição em situações sociais. (6) vê a si mesmo como socialmente inepto, sem atrativos pessoais ou inferior. Meu comentário: Baixa auto-estima. Altas taxas de suicídio. Se pudéssemos ouvir a mente de um japonês andando na rua - especialmente a de um estudante japonês - ouviríamos: "Fracassei, fracassei, fracassei!". Se pudéssemos ouvir a mesma mente logo depois de um sucesso na faculdade, ouviríamos: "Momentaneamente não fracassei! Banzai! Banzaaaaaai!". ![]() Eu não queria dizer isso na frente dos japoneses, mas temos que admitir que, com essa frase, eles acertaram um belo golpe no nosso fígado. Missa Negra Esta Copa, suspeito eu, vai ser um tanto parecida com uma Missa Negra: de madrugada, com gritos abafados. Mas também vai ser a mais democrática das copas: pela primeira vez, o gramado vai estar sob os nossos pés, e não só sob os pés dos jogadores. Alexandre Soares Silva |
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