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Quarta-feira, 5/6/2002
Como não gostar de futebol no país do futebol
Sergio Fuentes

Todo ano de Copa do Mundo sinto a mesma coisa: a sensação de um peixe fora d'água. E pelo simples fato de não ser fã de futebol, o que no Brasil pode ser considerado uma heresia.

Normalmente para mim, futebol não passa de chamadas em noticiários televisivos ou manchetes na primeira página no jornal, acompanho de forma bem distante e isso basta. Não sei qual jogador joga em qual time, ou qual foi vendido, qual é o craque do momento e muito menos para qual país ele foi jogar. Pura falta de interesse. E isso nunca afetou minha vida.

Pois bem, meses antes da Copa já vira aquela febre, todo mundo falando, comentando a escalação, quem deveria ser convocado, quem foi deixado de fora, as táticas do técnico e por aí vai. Só que no meio desses comentários vem sempre aquela perguntinha fatal de alguém, direcionada a você numa rodinha: "O que você acha? Fulano vai ser a revelação?". Pronto, e agora? Nem sei pra qual time esse "fulano" joga, e muito menos quem é. Pior se isso acontece numa rodinha um pouco mais formal. Todos olham para você, e você com aquela expressão de paisagem, sem saber o que responder, odiando o pobre interlocutor, paralisado. Como responder sem parecer antipático, antipatriota ou arrogante?

Nessa situação existem duas saídas: enrolar ou dizer que não sabe. Na primeira hipótese, você começa dizendo (com a maior cara-de-pau do mundo) que "claro que 'fulano' será uma revelação, esta é a Copa dele, afinal, não é à toa que ele foi escalado". Pronto, é só esperar que a bola passe para outro jogador e você mais uma vez conseguiu se livrar, respirando aliviado. Depois dessa, saia da rodinha, diga que vai ao banheiro, que vai encher o copo, que vai cumprimentar alguém, que caiu a lente de contato, qualquer coisa, mas fuja! E só volte quando mudarem de assunto. Porém, se você insistir em permanecer petrificado onde está, existe sempre o perigo de alguém achar que você é um entusiasta do futebol e começar a desenvolver o assunto, aí não vai ter muito jeito. Mais cedo ou mais tarde você será desmascarado como alguém que não sabe nada de futebol e ainda veste a camisa de profundo conhecedor. Além de ignorante no assunto você pode ficar com fama de arrogante. Dupla falta!

A outra alternativa, para os mais corajosos, é dizer "não sei de quem você está falando, não gosto de futebol". Pronto, você começa a ficar verde, criar escamas, nascem antenas e, por fim, vira um alienígena. Alguns vão lançar olhares surpresos, outros embaraçados e outros até com uma certa antipatia. E se o assunto continuar, aí que você irá se sentir o pior dos mortais, lá, no cantinho da roda, ignorado, quieto, como um aprendiz entre os mestres. Mas se o assunto morrer na sua resposta, você acaba sendo encarado como um corta-assunto, e odiado da mesma forma, sentindo no ar aquele silêncio constrangedor. E ainda ganha fama de antipático. Cartão vermelho!

E não há escapatória. Caso você vá viajar para o exterior, vamos dar um exemplo, Itália. Se descobrem sua nacionalidade logo começam a falar do Ronaldinho, do Romário, do Pelé...Incrível, não tem onde se esconder!

Enfim, não tem jeito. Mas isso não quer dizer que eu não gostaria que o Brasil ganhasse, que não ficaria feliz em saber que a nossa seleção está goleando todos os times, que está se destacando, sendo o favorito etc. Afinal de contas, é o meu país.

Mas que é difícil morar no país do futebol não gostando de futebol, isso é.

Sergio Fuentes
São Paulo, 5/6/2002

 

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