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Quarta-feira, 12/6/2002
Em cena, uma resenha da vida
Rennata Airoldi

A todo momento a vida nos surpreende, trazendo afetos e desafetos que involuntariamente somos obrigados a carregar. Existem os grandes momentos de paz e amor e existem as grandes decepções seguidas de amargura, dor e incompreensão. Na vida, temos diversos tipos de amores que nos consomem de maneiras diferentes. Nosso "coração" é capaz de abrigar muitas paixões simultaneamente. Temos apego especial aos familiares, um amor incondicional a todos que, de alguma maneira, formam nossos laços de sangue. É a eles que dedicamos nossas vitórias, fracassos e esperamos em troca o apoio e o reconhecimento.

Em outro plano, temos os laços de carne, que agrupam nossos amigos, nosso companheiros: homens ou mulheres que dividem tudo conosco. Que, de tão importantes, muitas vezes tomam os lugares de nós mesmos em nossas vidas. Quando notamos, já é tarde demais. Ao lado na cama, a escova de dente no banheiro, o cheiro, o corpo, a presença. Tudo se confunde em cada centímetro de um ambiente que revela horas de história.

Não existe razão para amar. Nossos amores podem muitas vezes nos confundir e nos corroer por dentro. Só uma mãe, na hora do parto, pode falar deste laço que a une ao que acaba de chegar. Frágil, desprotegido, totalmente entregue. Assim é um bebê. Porém esse pequeno ser cresce, faz suas escolhas e aprende a questionar e amar igualmente outras pessoas. Nesse momento, uma mãe não tem mais o domínio da vida de seu filho. Ele já ganhou o mundo, ganhou vida própria. Cada um com seus próprios erros e acertos.

Muitas vezes ouvimos dizer que o coração de mãe perdoa tudo; e também que quem ama sabe igualmente libertar. Mas, as emoções e os sentimentos são muito mais que pequenos frascos com essências que podemos escolher em uma prateleira de supermercado. A vida nos leva para cantos e portos que, muitas vezes, não esperávamos chegar. Uma palavra dita na hora certa pode consolar ou destruir.

Tudo isso pode estar parecendo um tanto quanto vago; filosofia barata de fim de noite. Pode ser, mas a realidade é que tive de pensar muito a respeito das relações humanas para escrever sobre a experiência de assistir ao espetáculo "NORMA".

Seria muito pobre apenas escrever uma resenha da peça. Seria pouco revelador e diminuiria consequentemente a grandiosidade deste simples espetáculo.

Digo isso pois, em termos técnicos e cênicos, a peça é muito simples. Para compor o cenário: poucos objetos, folhas secas, caixas. Apenas a lembrança de um apartamento que acaba de receber um novo morador. Entretanto, as questões que a peça trata e as relações estabelecidas em cena são de uma grandiosidade inimaginável. O texto é simples e coloquial com os atores que mais parecem viver cada palavra, digerindo cada sensação proposta em cena.

É maravilhoso quando o público é "dominado" num reflexo imediato a tudo que acontece em cena. As ações e reações invadem o espaço e rompendo assim a chamada "Quarta Parede". De repente, tudo deixa de ser ficção e passa a ser real. Aqui temos a essência do fazer teatral (de que tanto falo!). Não é na luz, não é no cenário, é no corpo em cena que pulsa junto à aquele que o assiste na platéia. É a catarse que envolve o teatro e faz com que todos juntos vivam uma experiência única, talvez efêmera. É quando a arte passa a ser vida!

Não estou sendo generosa demais ou fazendo colocações vazias. De repente, o homem da cadeira da frente começa a chorar compulsivamente, tomado por uma dor inexplicável ou por uma lembrança inesquecível... (Aqui, eu posso apenas supor). Isso é surpreendente. A própria transformação! A comoção: a partir do choro ou do riso, tanto faz. O importante é a provocação. O artista procura traduzir para a realidade concreta o que todo o coletivo não consegue "expurgar"!

Caros leitores, desculpem a minha emotividade, mas a arte tem dessas coisas... Para quem ainda não assistiu a peça, um recado: Assista! Dê esse presente a você mesmo, ao seu amigo, companheiro, familiar. "NORMA" é um texto de Dora Castellar e Tonio Carvalho, que também assina a direção. No elenco, a fenomenal Ana Lúcia Torre e Eduardo Moscovis. Aliás, ele está com uma interpretação surpreendente, detalhista, comovente. Portanto, não tenham preconceito com o fato dele ser um "galã global", e nem esperem reconhecer nessa peça nenhum de seus personagens televisivos. Ele vai muito além.

Em poucas palavras: a peça conta a história de Norma, uma senhora já "desgostosa" da vida, solitária, que resolve mudar para um apartamento menor. O antigo inquilino, que ainda guarda grandes recordações do local, resolve ir até o apartamento para pedir, ao novo morador, que dê seu novo telefone às pessoas que vão procurá-lo lá. E é a partir desse encontro entre os dois moradores de um mesmo imóvel, em momentos diferentes, que se iniciam as grandes revelações e surpresas.

Encerrando, quero dizer que fiquei fã de "NORMA". Quem dera mais e mais atores buscassem essa simplicidade, mais e mais autores se dispusessem a desvendar a alma humana dessa maneira, sem limites, sem dó. Agora, mais detalhes sobre essa história, só assistindo a peça!

" NORMA"
TEATRO CENTRO DA TERRA
R. Piracuama, 19 - Sumaré - Tels.: 3675-1595 ou 3672-2139
Sexta e Sábado às 21h30 e Domingo às 18hrs.

P.S. - A temporada irá, a princípio, até o dia 23 de junho, podendo haver uma extensão.

Rennata Airoldi
São Paulo, 12/6/2002

 

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