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Quarta-feira, 19/6/2002
Ser ou não Ser
Rennata Airoldi

Nesta última semana, o teatro de São Paulo recebeu um enorme presente. Foi a passagem da companhia de Peter Brook, trazendo para cena a tragédia de William Shakespeare: "HAMLET". Peter Brook é um dos mais admirados diretores de teatro do mundo. O trabalho de sua companhia é desenvolvido desde 1970, em Paris, no Centre International de Recherche Théâtrale - CIRT (Centro Internacional de Pesquisa Teatral), no teatro Bouffes du Nord. Em sua sede na França, Brook reúne atores de diversas nacionalidades, o que possibilita um imenso intercâmbio cultural.

Falar de Peter Brook para alguém que faz parte da classe teatral é o mesmo que falar do Papa para um sacerdote. (Isso para os leitores que nunca ouviram falar em seu nome.) Mas não importa nome ou nacionalidade, o que é inquestionável aqui é a qualidade de seu trabalho. Todos que estiveram no SESC Vila Mariana assistindo a peça "HAMLET", hão de concordar comigo.

Quando pensamos em Shakespeare, ou melhor, nas suas tragédias, sempre nos vêm imagens de uma outra época e de sofrimentos sem fim. Certo? Errado. A montagem de Brook é surpreendentemente leve, irônica, inteligente e contemporânea. No palco, poucos elementos, que se transformam e se desdobram em múltiplas funções. Aqui o pouco é o suficiente. O trabalho de direção é totalmente voltado para o ator. Ele é que preenche todo o espaço e, nesse espetáculo, os atores estão brilhantes!

O principal é que o requinte e a sofisticação estão justamente na simplicidade. A princípio, pode-se pensar que essa tragédia está longe ser uma experiência atual, mas, ao assistir à montagem me pergunto: existe alguma história que envolva tanto a alma humana e que participe mais da sua vida em todos os tempos? Não. Na verdade, o problema reside somente em como dizer, como transformar e adaptar um texto para a realidade atual. E o que vi foi uma peça que trata do Homem, que se questiona, que questiona a lealdade, a existência. Ser ou não Ser! Eis a questão!

Assim, pode-se dizer que qualquer espectador, sendo ele leigo ou não, assimilaria tranqüilamente o conteúdo do espetáculo. Conhecendo ou não essa tragédia. Sem dúvida, é uma montagem totalmente acessível ao público em geral. Os atores falam, andam, sem "pompas" ou vestimentas exageradas. Tudo é bem comum e ao mesmo tempo, enfatiza o lúdico na manipulação dos objetos como tecidos, almofadas, que dispostos de diferentes formas, sugerem situações e lugares, substituindo qualquer forma de "cenário" mais grandiosa. (Que aqui, não teria a mínima função.)

A linguagem da peça é a linguagem da vida. É a essência, mais uma vez, em cena. A nova era do teatro, sem dúvida nenhuma, é a era do ator. Um trabalho minucioso e detalhista que faz com que a presença física em cena preencha o espaço; não é necessário fazer uso de uma série de "parafernálias" cênicas. Não há muletas para o ator. Não há subterfúgios. Só está presente o que realmente importa.

Há muito, em minhas colunas, venho batendo nessa mesma tecla. Às vezes, sinto que escrevo sempre a mesma coisa, mas é inevitável! Falar da necessidade ímpar da presença do ator em cena, sem "maneirismos" ou exageros, é falar na forma de traduzir a nossa arte universal. Apenas verdade e simplicidade. Como na vida! O que nos comove em, nosso cotidiano, é o mesmo que nos comove ao assistir uma peça, um filme, ao ouvir uma boa música... A essência da alma humana. O sentimento contido na obra e as sensações decorrentes dela.

Sem dúvida, durante muito tempo, a peça "HAMLET", dirigida e adaptada por Peter Brook, interpretada de maneira impecável por toda a companhia, será uma referência para os grupos, atores e diretores de São Paulo. Aos que não assistiram: na próxima oportunidade, não deixem de prestigiar o trabalho desse "Papa" do teatro contemporâneo. E não é preciso pertencer à classe teatral para prestigiar a vinda de grandes grupos e de diretores estrangeiros. Basta gostar de Teatro!

Dessa forma, não vamos deixar de aproveitar a grandiosidade desta "Megalópole Cultural", que nos permite ilustres visitas! Prestigiar as iniciativas de órgãos como o SESC, o Consulado Geral da França, a Aliança Francesa que, nesse caso, tornaram possível esse intercâmbio cultural.

E, acima de tudo, vale lembrar que "HAMLET" não é um jovem da Dinamarca, é um jovem do mundo! Não importa se é branco, japonês ou negro, como nessa montagem. A matéria do qual nosso corpo é composto é sempre a mesma. Assim, na dor e na alegria, no fundo, somos todos iguais ou, no mínimo, muito parecidos.

Rennata Airoldi
São Paulo, 19/6/2002

 

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