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Terça-feira, 1/5/2001
O Glamour da Miséria
Paulo Polzonoff Jr

Sebastião Salgado despontou para a fotografia na década de oitenta, ao ser o único fotógrafo a registrar o atentado contra o presidente americano Ronald Reagan. Até este momento, era um desconhecido, apesar de já trabalhar para uma importante agência de notícias. O mundo, então, ganhou um novo deus.

É isso que Salgado se tornou: um deus. Falar de suas fotografias incluem invariavelmente expressões como "o maior fotojornalista da atualidade" e "o maior fotógrafo de todos os tempos".

Sebastião Salgado não é um coisa nem outra.

Primeiro porque, em termos estéticos, sua fotografia não representa nenhum momento especial. Fica evidente a influência de Cartier-Bresson, este sim possivelmente o maior fotógrafo de todos os tempos, nas fotos de Salgado. Suas composições primam por uma combinação bastante agradável de luz e sombras em cenas de falsa espontaneidade. Nada além do que Bresson, há 50 anos, já fazia e fazia bem. O que está por detrás da fama e endeusamento de Salgado é seu discurso.

Isto porque o fotógrafo usa e abusa de um elemento que suscita expiações no alto do Calvário: a miséria. Esta é a essência da fotografia de Sebastião Salgado. Uma miséria que se revela seja no rosto melancolicamente sujo da menina debruçada sobre uma carteira escolar capenga, seja pelas rugas nos pés, mãos e rostos dos trabalhadores, seja ainda por uma casa de pau-a-pique nos confins da África, com crianças famintas sob os fulgurantes (o lugar-comum é proposital) raios solares. Salgado sabe que a miséria, mais do que qualquer assunto neste fim de século, é nossa maior chaga. Possivelmente a última fronteira da Humanidade.

Para retratar esta miséria glamourizada, Salgado faz uso de técnicas que valem a pena ser discutidas à luz de seu discurso. É mentira que as fotografias sejam espontâneas. Usando de luz natural (será que não há um mero spotzinho?), Salgado monta a cena de modo a torná-la mais e mais piegas. Nada que chegue perto do "instante mágico" pretendido por Bresson. Salgado usa e abusa do motor-drive, dispositivo que permite que a câmera dispare várias fotos por minuto, num trabalho muito mais industrial do que artesanal. Pior seria talvez pensar que a massa ignara não percebe que muitas das fotos de Salgado só têm aquela luz e aquele tom e aquela textura graças ao trabalho de um excelente laboratorista.

(Claro que o laboratório faz parte do processo, a menos que se diga ou que se pressuponha o contrário, como é o caso de Salgado.)

O discurso de Salgado prevê uma arte (que ele insiste em chamar tão-somente de "fotojornalismo") engajada como nos anos 60. Anacrônico, Salgado prevê a erradicação da miséria por uma melhor distribuição de renda (não diga!) e por uma espécie de "compaixão", sempre vinda dos países ricos. O cotidiano pobre que pretende escancarar em suas fotografias tem um quê de revolucionário, de maoísta mesmo. Não é à toa que Salgado, ao lado de Chico Buarque e do eterno comunista José Saramago (comunista apesar do U$ 1 milhão do Nobel...), compilou em um livro fotos que retratam os trabalhadores sem-terra, a fim de ajudar a causa.

Stédile e sua corja maoísta agradecem.

Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 1/5/2001

 

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