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Sexta-feira, 12/7/2002 Samurais de Fecaloma Alexandre Soares Silva Mas o trecho que eu queria citar diz respeito a executivos, que são o assunto deste texto. Fussell está falando sobre a classe média e seu esforço em se distinguir da classe baixa: "...the men treasure having a genteel ocupation (...) with emphasis on the word (if seldom the thing) executive. (As a matter of fact, an important class divide falls between those who feel veneration before the term executive and those who feel they want to throw up)".["...os homens fazem questão de ter uma profissão elegante (...) com ênfase na palavra (mesmo se não a coisa em si) executivo. (Na verdade, uma importante linha divisória de classe separa aqueles que sentem veneração quando ouvem o termo executivo e aqueles que sentem vontade de vomitar")]. Isso é algo que muitas pessoas não conseguem entender, porque para elas um executivo é o topo do topo, para além do qual não se enxerga nada; e se alguém quer vomitar ao ouvir falar de executivos, é por inveja; ué, o que há acima de um executivo? Muita coisa, digo eu. Mas digo mais: que os próprios executivos reconhecem isso de um modo quase embaraçoso. Eles sentem que não é suficiente ser um simples hominho num terno. E é por isso que vivem se comparando com guerreiros. Já no século dezenove se usava o termo "capitães da indústria" para donos de empresa e seus gerentes mais altos. A idéia era que a fábrica era uma espécie de navio de guerra, e o "capitão de indústria" se fazia pintar com o peito estufado, barriga encolhida, maxilar projetado, bigode encerado e um globo por perto, onde sua mão viril casualmente repousa. Longe dele dizer que é simplesmente o que é; a atitude era decididamente militar. Isso já vinha de longe: os encarregados de provisões para a Marinha Real britânica nos séculos XVIII e XIX (homens que não saíam dos portos) afetavam ser lobos do mar e eram ridicularizados por isso. Mas o tempo passou, e as pessoas passaram a levar a farsa a sério. ![]() Uma busca simples na Internet revela centenas de cursos e livros para executivos com títulos como Despertando o Samurai Dentro de Você! , Dez Coisas Que Gengis Khan Me Ensinou, e outras patetices do gênero. Pior: os próprios mestres de artes marciais (e generais de verdade como Colin Powell!) se aproveitam do interesse dos executivos e diminuem suas artes ao nível da auto-ajuda, ensinando a "atingir os seus objetivos como um autêntico guerreiro". Mas e daí? Não é um hábito inofensivo? Não são só pessoas que levam vidas tediosas e se imaginam como guerreiros para aguentar levar a vida que levam? Talvez. Mas o problema, me parece, é que na verdade executivos não só não são guerreiros, como são o oposto de guerreiros. O orgulho de um guerreiro é triplo: orgulho de sua habilidade, de sua lealdade, e principalmente de sua coragem. Um executivo pode ser hábil lá na chatice que ele faz; duvido um pouco que seja leal; mas corajoso é justamente o que ele não é. Um executivo é justamente alguém que quando jovem escolheu o caminho que parecia mais seguro e cheio de conforto. Nisso está junto com pessoas que fizeram economia ou computação (ao contrário de, digamos, museologia) - escolheram o caminho que lhes parecia mais longe das balas de canhão. Mais tarde na carreira passam a ouvir algumas explosões, e reclamam muito do "estresse". Mas também não consigo imaginar Miyamoto Musashi reclamando de estresse. O perigo que ele enfrentava não era simbólico; era a morte. Não era o risco de perder o plano dentário; era o risco de, num golpe de espada, perder os dentes todos, e o queixo junto com eles. Quando Lord Nelson morreu, foi por se recusar a se esconder no deque do seu navio. Durante toda a batalha de Trafalgar ele usava um uniforme vistoso, e as balas dos snipers franceses passavam perto da sua cabeça. Ele continuou na amurada do navio, ereto, sem sequer se curvar a cada tiro que ouvia; até que uma bala o matou. Há algo de profundamente ofensivo em comparar executivos com uma pessoa assim. Executivos estariam no porão, sentados nas batatas, reclamado de estresse e escrevendo cartas furiosas ao almirantado. O que chamam de coragem é justamente escrever cartas furiosas e aguentar as consequências. No intervalo de uma carta e outra, levantam e dão golpes com espadas imaginárias nas batatas, e se chamam de samurais e de guerreiros. Será que não é a hora dos executivos, desenxabidamente, reconhecerem que são aquilo que são mesmo: sob luzes fluorescentes, homens em ternos feios? Alexandre Soares Silva |
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