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Segunda-feira, 15/7/2002
Presente Brasileiro
Héber Sales

Os guris do quadriênio descobrem um novo brinquedo, seu presente brasileiro. Numa festa iluminada de fogos, estouros e caras pintadas, a criança soletra deslumbrada, "ba-sil" - e vai acompanhando no azul celeste uma chuva de estrelas. A festa nacional acorda na pequenina alma, o ser brasileiro.

Cordial criativo moleque, um herói que ri de si mesmo, o ser brasileiro faz do sorrir seu ungüento, seu sustento, sua recompensa. Contra super profissionais usa a traquinagem urdida em Bentos Ribeiro e Jardins Irene, espaços complexos do solo pátrio. É, tem coisas que a alma brasileira destila melhor: o improviso, a ousadia, a lealdade, a disciplina despretensiosa - sua raça.

Por parecer estranho falar em povo disciplinado, invoco três exemplos do escrete canário. Invoco a disciplina de Dunga, cujo nome era apelido de anti-futebol até que, como capitão, conduziu impávido um Brasil imperativo: o Brasil tetracampeão; invoco a disciplina de Ronaldo, o Fenômeno, tratando de contusão incurável (?) para se tornar o herói do pentacampeonato; invoco a disciplina de Cafu, reprovado em doze peneiras quando aspirante, tomado como um lateral que não sabia cruzar, dito até estabanado, mas agora o único a participar de três finalíssimas mundiais consecutivas, imortalizado com a copa nas mãos e com o amor nos lábios.

A má fama de povo indolente é posta em xeque pelos heróis nacionais. E são muitos esses heróis; tantos que sobram anônimos. Vejam só! ainda no rescaldo do penta, aparece-me Joel para limpar a piscina! Magro, bilioso, cabelo de mestiço, desgrenhado, carrega olhos escuros chispando de curiosidade: "o que o senhor está lendo?". Respondi mal desviando o olhar: "uma coletânea de contos..." "E eu estou lendo Weber!" retrucou apressado. Terminou o serviço, e despediu-se: "vou nessa porque ainda tenho mais três piscinas para limpar". Fiquei, ali, desanimado com a ficção para pensar em Joel, vinte e um anos, filho da favela da Cruz da Redenção, líder comunitário e universitário, estudante de comércio internacional, ex-porteiro do condomínio em que moro, e agora microempresário de assistência a piscinas.

Quando lembro de Dunga, Ronaldo, Cafu e Joel, questiono impaciente: quem disse que este povo é indisciplinado?! A alma brasileira condensada em nossos heróis nega tanto o mito da indisciplina tropical como a receita da disciplina importada, fria e sem coração. Gerado, o ser brasileiro surge verde-amarelo, toma o céu estrelado por turbante, e vai carregando em sua mente coroada o velho saber cósmico que ensina: ordem e progresso, faz-se com amor a camisa.

Para ir além
Blog de Hérber Sales.

Héber Sales
Salvador, 15/7/2002

 

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