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Quarta-feira, 7/8/2002
A voz que não quer calar
Rennata Airoldi

Teatro é como um bicho carpinteiro que corrói por dentro lentamente. Tudo começa de repente e quando nos damos conta, não há mais nada a se fazer. É assim com todos aqueles que são fisgados pela paixão de atuar. Nesta semana, a "II Mostra de Teatro 'Cemitério de Automóveis'" foi uma mescla de sonho e realidade. No Porão do Centro Cultural São Paulo, muitas estréias, muitas celebridades, muitos espectadores. Não há como fugir deste tema, uma vez que o porão se tornou minha segunda casa. São horas e horas respirando teatro: ouvindo textos, ensaiando, apresentando e assistindo.

Foi também uma semana de muita responsabilidade, pois estrearam vários textos adaptados por Mário Bortolotto. O primeiro foi "O Herói Devolvido" de Marcelo Mirisola. Em seguida, vieram: "Faroestes" de Marçal Aquino, "Ovelhas que voam e se perdem no céu" de Daniel Pellizari, "Dentes Guardados" de Daniel Galera e, por fim, "Tanto Faz" de Reinaldo Morais. E para a alegria de todo o elenco da mostra, contamos com a presença dos autores na platéia.

Tive a oportunidade de conversar com Marcelo Mirisola e com o Marçal Aquino mais a fundo. Para eles, foi uma deliciosa surpresa assistir suas obras encenadas. Conversando com os mesmos e refletindo sobre o que temos vivido ali, desde o dia 9 de julho, chego a conclusão de que há um movimento que não podemos controlar ou deter. Somos todos pequenos grãos de areia de uma grande duna, que está sendo visitada por muitas pessoas. Há, sem dúvida, uma onda que nos toma e que aproxima pessoas para ver e ouvir o que temos dito e feito.

É como uma voz que não quer calar! Somos atores, somos de teatro e amamos carregar esse bicho carpinteiro dentro de nossas vísceras. Falamos através dos textos de Mário Bortolotto (autor da maioria deles), sobre nosso tempo e nossas vidas. Talvez aquele porão frio e úmido nunca mais seja o mesmo depois de nossa estadia. É a energia que circula o tempo todo, entre os atores, entre o público, e que nos redime a cada grito de euforia. Parece piegas - e até meio ridículo- mas, sem dúvida, "a união faz a força".

Estou escrevendo tudo isso não para nos colocar como heróis ou como sujeitos geniais, mas para esclarecer àqueles que não sabem o que é Teatro. Apesar de todas as dificuldades que existem, e elas são muitas, não podemos permanecer apáticos diante da realidade. Não podemos deixar que outras bocas falem por nós. Não podemos aceitar essa situação ridícula dessa cultura descartável que é imposta pela mídia à nossa sociedade.

Nós respeitamos nosso templo e nosso público e eles têm comparecido e prestigiado nosso trabalho. Enquanto a cidade corre do lado de fora do porão, um outro mundo se constrói a cada dia para receber as pessoas que vêm de todos os cantos assistir às peças. E só estando lá para ver o que é quando, mais uma vez, temos uma sessão lotada! Isso tudo sem dinheiro, sem patrocínio, mas com muita dedicação e paixão. Esse esforço coletivo que faz com que o moinho não deixe de funcionar um único instante.

É gratificante fazer parte dessa loucura e, sem dúvida, se existem heróis nessa mostra, são eles: Mario Bortolotto e Fernanda D'Umbra. Não tirando ou diminuindo o mérito de ninguém mas: quem, em "sã consciência", seguraria esse rojão? Juntar 79 atores, 26 textos, direção, produção, trilha sonora, atuação... Dá para imaginar o tamanho da encrenca? E eles tiveram peito para isso! Agora a criança está crescendo e ganhando o mundo, uma vez que já estrearam praticamente todas as obras previstas pela mostra.

Público chama público. É sem dúvida o boca-a-boca que tem contribuído muito para o sucesso da mostra. Além disso, temos um grupo de espectadores cativo que já é parte do espetáculo! Aparecem todos os dias, assistem a tudo e a todos. É isso. O público é fundamental e nosso trabalho só faz sentido com presença dele. Em nome de todos da "II Mostra de Teatro do 'Cemitério de Automóveis'", muito obrigado àqueles que já estiveram no Centro Cultural São Paulo, prestigiando nosso trabalho. Nós não vamos nos calar, porque há muitas pessoas dispostas a nos ouvir. Sejam todos bem-vindos, vocês também fazem essa história acontecer!

Para ir além
www.cemiteriodeautomoveis.hpg.ig.com.br

Rennata Airoldi
São Paulo, 7/8/2002

 

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