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Quinta-feira, 17/5/2001
Palpites e Patentes
Rodrigo Nunes

"É realmente uma pena que todas as pessoas que saibam como governar o país estejam dirigindo táxis ou cortando cabelo" - George Burns, vulgo Deus.

É interessante notar como as decisões tomadas com base apenas no "bom senso", como o temos em um primeiro momento, tendem a criar conseqüências desagradáveis quando não desastrosas para a administração pública. Brasileiro que sou, e tendo vivido neste país por todos os anos de minha vida, me espanta observar a grande maioria das pessoas opinando sobre assuntos vitais para a nação, porém utilizando apenas suas impressões pessoais, sem qualquer instrumental cientifico, e chegando às conclusões mais estapafúrdias.

Dificilmente uma pessoa que não tenha estudado física quântica dará palpites sobre o movimento das partículas atômicas. Também não é comum um advogado oferecer uma sugestãozinha durante uma operação cirúrgica, ou um engolidor de espadas redigir uma petição. Muito provavelmente um surdo evitará omitir opiniões sobre música, assim como um cego sobre pintura.

No entanto, os assuntos econômicos e políticos parecem ser irresistivelmente atraentes, e do boteco mais simplório ao restaurante mais refinado, encontraremos pessoas que nunca estudaram esses assuntos opinando sem o estudo e a cautela que eles exigem.

Ao estudar economia, atividade a qual atualmente me dedico, percebo um imenso hiato entre o que parece correto à primeira vista e o que é de fato o remédio adequado para solucionar determinados problemas.

Tomemos como exemplo a questão do salário mínimo. Pergunte a dez pessoas na rua, dando a sorte (ou o azar) de não pegar nenhum economista sério, em que nível o governo deveria fixar o salário mínimo e ouviremos dez vezes que este deveria ser aumentado e muito, garantindo uma vida digna ao trabalhador brasileiro. Sem duvida nenhuma, o ideal seria que tivéssemos um padrão de vida sueco para todos, porém, ao tentarmos instituí-lo na base da canetada, estaremos na verdade excluindo do mercado de trabalho e proibindo de trabalhar todas aquelas pessoas cuja força de trabalho não valem o "salário justo", gerando mais desemprego, além de um considerável desperdício de dinheiro público, uma vez que o governo deixaria de demitir estas pessoas e, ao invés, passaria a remunerá-las melhor.

Outro bom exemplo que tem estado em pauta nos últimos dias é a questão do respeito às patentes internacionais de remédios. Dirá um leigo: "Os laboratórios internacionais querem explorar os doentes dos países pobres, por isso não devemos respeitar suas patentes, salvando assim milhares de vidas". À primeira vista, simplesmente copiar o remédio e distribuir à população parece muito razoável, mas não podemos nos esquecer que estes mesmos laboratórios que investiram milhões em pesquisa para desenvolver estes medicamentos, não vendo retorno de seu investimento à altura do esperado, deixarão de financiar pesquisas que objetivem o desenvolvimento de novos remédios, para doenças que talvez ainda nem tenham surgido (é só lembrar que há 25 anos atrás praticamente não havia ainda a AIDS), mas que dizimarão povos inteiros sem o devido investimento em pesquisa cientifica a fim de encontra a droga certa.

Devemos, antes de expressar opinião com respeito a qualquer assunto, analisar as conseqüências que elas terão sobre o estado de coisas, e quem sairá beneficiado e prejudicado (raramente decisões políticas trazem apenas benefícios), evitando ao máximo o uso da retórica e fugindo do "papo de bar".

Já disse alguém: todo brasileiro poderia ser presidente do país e técnico da seleção. Mas, mais do que nunca, está na hora de pararmos de palpitar e procurarmos estudar. Chega de julgar o livro pela capa. É melhor começarmos a lê-lo.

Porque nem sempre o que parece patente é o remédio. Não raro, é veneno.

Rodrigo Nunes
São Paulo, 17/5/2001

 

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