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Quarta-feira, 23/5/2001
De dentro do banheiro
Paulo Polzonoff Jr

A primeira vez que comprei uma Playboy também foi a última. Lembro-me muito bem da capa: Vera Zimmerman. Alguém se lembra dela? Fez um grande sucesso numa novela que tinha o Lima Duarte - é tudo o que sei. Por onde anda? Jamais ousaria investigar. Eu devia ter uns doze anos - ou muito mais ou muito menos, não sei.

Era uma época de ouro, aquela. Ver uma mulher nua na Playboy era o máximo que um menino conseguia com uma mulher. De certo modo, contudo, aquela Vera se parecia mais com minha mãe do que com as meninas que andavam ao meu redor. Eis um complexo que, acho, jamais consegui superar: as mulheres para mim serão sempre as meninas impúberes da minha infância.

Resolvi escrever este texto que não pretende ser um texto confessional para fazer algumas considerações sobre a revista que mexe com a cabeça dos meninos. Hoje nem tanto, é verdade. Na minha época (no longínquo século XX), a gente tinha medo e vergonha de comprar uma Playboy. Era pecado também. Milhões de culpinhas fazendo a alegria dos psicanalistas acompanhavam esta aventura que era ver uns pêlos pubianos. Agridoce inocência...

Comprei uma Playboy hoje. Luma de Oliveira na capa. Mulher linda, simpática, deslumbrante e, até onde eu saiba, não vulgar. Foram estes os fatores que me impulsionaram a comprar a revista. Achei o preço meio salgado, mas pensei que valia a pena chegar para a vendedora e falar sem medo que queria a Playboy. Ela, profissionalmente, me estendeu o volume, como se houvesse algo a consultar. Da Playboy da minha infância para esta que se vende hoje uma única coisa não mudou: o plástico que envolve a revista, como se fossem grilhões que nós, heróis piratas de filmes B, tirávamos dos tornozelos das mocinhas.

Ladies que me lêem, pode parecer pouco interessante o assunto para as senhoritas, mas acho que podemos caminhar juntos nesta empreitada. Afinal, a Playboy que tenho em mãos me faz pensar em tabus que levamos para o resto de nossas vidas, por mais que nos consideremos as mentes mais límpidas que a sociedade já criou em séculos de civilização (ad infinitum sic).

Primeiro uma constatação de ordem técnica: a Playboy ficou muito mais vulgar. Muito mais erótica. Ou seria erógena? Como já disse, as Playboys de antigamente mostravam os pêlos pubianos - e só. Hoje temos uma visão muito mais ginecológica da coisa (com o perdão do trocadilho). Aliás, foi isto que me interessou ao comprar a Playboy da Luma de Oliveira. Queria saber se aquela mulher se prestaria a certas poses a que se submetem, penso eu em minha agridoce ingenuidade, apenas mulheres de grosso calibre, se é que me entendem.

Luma não. Seu ensaio é puro como eu esperava. Sorrisos, poses obviamente insinuantes, mas uma nudez que me pareceu natural. Nada de Trompas de Falópio à vista. Apenas um corpo admirável. Sem, também, aqueles textos idiotas que infestavam a revista outrora. Por sinal, a da Vera Zimmerman trazia umas frases de Caetano Veloso que faziam o chefe da Máfia do Dendê parecer um Wando, obsceno.

Como eu dizia, Luma me pareceu bastante elegante em sua nudez. O resto da revista, contudo, vulgarizou-se sobremaneira. A entrevista, com Marcelinho Carioca (?) é cheia de fofoquinhas que só interessariam a leitores de Caras. Um quadrinho de muito mau gosto mostra um tarado e uma ninfomaníaca procurados pela polícia em sexo no metrô e em crise depois de algum tempo. O pior fica por uma sessão que ensina aos homens como sair pelas portas dos fundos dos motéis se por acaso forem pegos em flagrante.

Eu disse a certa altura deste texto que as meninas que me lêem não deveriam ficar envergonhadas ou entediadas, porque ele lhes dizia respeito também. Falo sobre masturbação. Sim, porque ninguém em sã consciência pode negar que a marca Playboy está associada a este ato lúdico. Bem sei que a mulher da banquinha ficou pensando que eu usaria a revista para outros fins que não um texto, assim como sei que vocês devem estar desconfiados, neste ponto, se sim ou se não. Nada de egocentrismo nestas constatações. Isto é natural: Playboy é sinônimo de masturbação. Que, por sua vez, é o último grande tabu sexual.

Eu vejo mulheres escreverem sobre o absurdo da virgindade (a virgindade feminina para mim é um absurdo), sobre diversas práticas sexuais não-ortodoxas, enfim, sobre toda uma vasta gama de assuntos femininos, que vão desde o sexo durante a menstruação até, sei lá!, a literatura de Anïs Nïn. Só que ninguém fala sobre masturbação. E este assunto fica pairando no ar como algo anacrônico e imperecível. Mulheres, falem!

Para nós, homens, é mais fácil, acho. Dos últimos dez livros que li escritos por homens, dez tinham cenas em que ou adolescentes ou crianças ou adultos se masturbavam. Nomes para o ato não faltavam. Mitos são jogados por terra a todo momento, como a mão peluda, as espinhas, o retardo mental. A mim, particularmente, permanece somente uma culpazinha católica (estudei em colégio de freiras por dez longos anos!) de estar matando zilhões de proto-homens a cada vez que.

Aliás, acabei de me sentir velho. Escrevo este texto escutando Ella Fiztgerald cantando It's a Blue World. E de repente achei pertinente indagar aos meus leitores: as pessoas hoje em dia se masturbam como antigamente?

Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 23/5/2001

 

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