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Quarta-feira, 16/10/2002
Na Cama Com Tarantino
Rennata Airoldi

Você é cinéfilo? Em suas festas mais animadas sempre coloca o CD clássico da trilha sonora do filme "Pulp Fiction" (Tempo de Violência) para tocar? Você gosta do universo abordado pelo diretor Quentin Tarantino em seus filmes? Então, não pode perder essa grande dica... Calma, isso não é uma chamada para o próximo trabalho do cineasta. Isso é teatro. Sim! "Na Cama Com Tarantino" é a peça de Marcos Ferraz, com a tripla direção de Fábio Ock, Fezu Duarte e Marcos Okura que está em cartaz no TBC.

A peça é um delicioso mergulho nesse universo, com referências aos seus filmes, a vida nas cidades, crimes, gangs, tráfico e violência. A trama é simples: um assalto a uma importante pedra que está no cofre do "Stealing Bank" e a disputa de grupos rivais para a posse da mesma. Em meio a isso, por um acaso do destino, um encontro amoroso, entre o segurança do banco e uma integrante de uma das gangs, traz detalhes ainda mais sórdidos sobre o grande golpe. Assim, o mais importante aqui é a maneira de contar essa história. Graças a uma estrutura nada linear, o espectador é envolvido numa enorme brincadeira, onde o patético e o mais caricato de cada personagem é mostrado em cena, sem pudores, nos menores detalhes. Assim, tudo se torna muito engraçado à medida que os códigos são estabelecidos e revelados numa mescla de "Filme B" com Teatro Cômico.

Sem dúvida, é mérito de toda a equipe, que propõe soluções simples e funcionais casando perfeitamente todos os elementos necessários à peça: figurino, cenários, trilha sonora, interpretação e direção. A unidade é que determina a grande força do espetáculo e é também determinante para "comprar" o espectador desde o início. A utilização de letreiros e legendas, cenas que voltam (como num filme passado através do controle remoto e que são vistas por outros ângulos) desvendam, aos poucos, os mistérios que envolvem o crime, fazendo com que o teatro se aproxime do cinema.

É uma peça de uma tremenda ousadia e originalidade. Os atores assumem de forma clara a demência em seus papéis, a ponto de parecerem personagens fugidos de um HQ. Em alguns momentos, o cinema sem tela é quase um quadro de gibi. É um espetáculo que consegue ao mesmo tempo divertir e revelar o lado mais cruel contido em cada ser humano. Nem tão ao céu, nem tão à terra! Todos nós temos o "bem" e o "mal" oscilando em nossas vidas, nas menores atitudes. Traição, ambição, armação, eu diria que ali, em cena, está o melhor do "Lado B" de cada arquétipo de nossa sociedade. Pessoas ditas "normais" transitam no submundo e por ele são transformadas.

A grande verdade é que nem todos estão dispostos a sentar numa sala de teatro e assistir a grandes clássicos; afinal, gosto, futebol e religião são algumas das coisas que não se discute. Mas eu questiono quem diz que não gosta de ir ao Teatro. Quem diz que é monótono, cansativo. Há Teatros e Teatros. Para todos os gostos, raças e crenças! É preciso descobrir qual é aquele que fala a sua língua, que transforma a realidade em um jogo cênico. Na arte de maneira geral, e isso inclui o teatro, não há o "certo" e o "errado". Ou seja, não há uma única maneira de interpretar ou construir uma peça. A abordagem, porém, é determinante para o resultado e o público para o qual a peça se torna mais interessante e digerível.

O que é fundamental, portanto, é assumir um caminho único, que faça com que o conjunto da obra seja determinante. É muito desagradável assistir uma peça onde cada ator tem uma maneira diferente de encarar a história. Em que a trilha não condiz com a luz e o figurino não representa nada. Tudo que está em cena tem um significado e é identificado imediatamente pelo espectador. Portanto, quando assisto a uma peça onde o conjunto determina uma espiral sem falhas, uma somatória de pontos, é muito bom. Não importa se concordo ou não com o estilo ou o gênero representado. Quando é bem feito, é difícil não se render!

Não vou destacar um ator, ou uma situação, nem quero revelar todos os recursos pois são alguns pequenos detalhes que fazem de "Na Cama com Tarantino" uma peça surpreendente. Às vezes, tudo pode ser uma grande bobagem. Mas uma bobagem muito bem feita e realizada até as últimas conseqüências. Para aqueles que só saem de casa para assistir a grandes musicais importados ou o estilo "besteirol" vazio, é uma excelente oportunidade para passar a enxergar no teatro, um divertido e delicioso entretenimento. É uma peça para todas as idades e principalmente para aqueles que conhecem e gostam da obra de Quentin Tarantino, que é referência de toda uma geração.

Coragem, se aventurem a conhecer o Teatro através de novas perspectivas, com jovens atores, diretores, autores, e se apaixonem por eles. Lembrem-se: muitas vezes, o gostar ou não gostar é determinado apenas pela afinidade ou não. Assim, nunca conhece o novo, quem só se dispõe a ver as mesmas coisas, a freqüentar os mesmos lugares só por costume. Aprenda que o melhor da vida é poder escolher. Mas, para tanto, é necessário sair da inércia que nos toma e navegar por novos mares! Atores famosos e peças de grande publicidade não são sinônimo de boa qualidade ou ousadia.

Para ir além
"Na Cama com Tarantino" está em cartaz no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), de quinta-feira à sábado às 21h30 e aos domingos às 20h30. O TBC fica na Rua Major Diogo, 315. Maiores informações através do telefone: 3115-4622. E tenham todos um bom espetáculo! The End...

Rennata Airoldi
São Paulo, 16/10/2002

 

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