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Quinta-feira, 7/11/2002
Cidade de Deus, um fenômeno comercial
Lucas Rodrigues Pires

Cidade de Deus vai concorrer a uma indicação a filme estrangeiro no Oscar. Ele foi escolhido unanimemente por uma comissão para representar o Brasil na briga. O que esperar e, principalmente, como explicar tamanho sucesso para um filme brasileiro que trata de violência e drogas e tem praticamente apenas atores negros recrutados nas favelas cariocas?

O filme de Meirelles já foi discutido ao extremo na imprensa especializada e tanto ou mais pelos colunistas e leitores deste Digestivo. Portanto, quase tudo já foi dito e aqui ponderarei sobre sua força de mercado – por que Cidade de Deus estabeleceu a marca de maior bilheteria da retomada dos anos 90 do cinema brasileiro, superando os 2,65 milhões de espectadores do ex-campeão Xuxa e os Duendes (eca!).



Divulgação e marketing agressivos

A distribuidora do filme – a Lumière – programou um lançamento para algo em torno de 100 cópias em todo o Brasil. Apostava que Cidade de Deus tivesse cacife para chegar a 600 ou até 700 mil espectadores, nunca aos mais de 2,5 milhões que atingiu em menos de dois meses. A estréia nacional – 30 de agosto – foi precedida de muita publicidade na televisão, com programas da Rede Globo indicando e citando o filme como uma obrigação para a população. Essa prática – maior veiculação de inserções comerciais na televisão para a divulgação dos filmes – é defendida pelo veterano produtor Luiz Carlos Barreto. Sem isso, segundo ele, seria difícil atingir as massas. Quem trabalha com cinema sabe da importância de uma publicidade e marketing agressivos. Simplesmente para que as pessoas saibam que existe determinado filme brasileiro sendo exibido nos cinemas. Os de lançamento minúsculo (de uma a quatro salas) não têm, definitivamente, verba para tanto, mas os distribuídos pelas majors – como chamamos as distribuidoras que aqui representam os estúdios americanos (Warner, Fox, Columbia, Disney, Universal e Paramount) – recebem algum investimento para divulgação. Cidade de Deus, mesmo nas mãos de uma empresa independente, é o mais forte argumento a favor de Barreto. Ter a Globo Filmes como co-produtora facilitou essa ponte com o público em potencial – aquelas pessoas que ficam em casa de frente para a televisão.

A ótima repercussão em Cannes, quando exibido fora de concurso, além da expectativa mítica criada em torno da fita, por se tratar de tema atualíssimo – a violência nas favelas cariocas –, ajudou em muito Cidade de Deus a ocupar semana a semana mais salas e a conquistar público crescente. Em sua nona semana em exibição, permanecia em 178 salas (estreou em 103) e com público semanal próximo a 250 mil pessoas. Nem Sinais, nem Scooby-Doo foram capazes de tirar-lhe espaço. Em São Paulo, o filme mantinha regular exibição nos principais centros exibidores por dois meses, coisa quase impossível para qualquer filme de qualquer país.

Talvez a explicação seja mais simples do que pode parecer. Quando se tem em mãos um produto de qualidade indiscutível, com apuro técnico e uma história bem contada, o normal seria haver sucesso. Mas Cidade de Deus não é só isso, sua sorte maior foi ter se aliado a jogadores de peso do mercado cinematográfico (Lumière, Globo Filmes e Videofilmes), que lhe deram distribuição calculada e planejada, casada com a divulgação eficiente. Essa união, de produto de qualidade com marketing bem dosado, é infalível em qualquer mercado mundial e aqui não foi diferente. É o que buscam todos produtores e distribuidores. Mas, ainda, não foi “apenas” isso que ocorreu com Cidade de Deus. As críticas e resenhas jornalísticas lhe deram espaço em abundância, discutindo-o à exaustão e, melhor e primordial, elogiaram-no como há muito não se via acontecer com um filme brasileiro. Entre as revistas semanais e jornais diários foi praticamente unanimidade. A revista VEJA, inclusive, em menos de um mês, dedicou-lhe quatro páginas, distribuídas em duas matérias.

Em busca do Oscar

Reflexo direto desse trabalho do filme nas telas, Cidade de Deus também foi o escolhido para representar o Brasil na briga por uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro. As chances são boas, pois conta com a poderosa Miramax na distribuição em território americano, apesar desta ter levado uma ducha de água fria com a derrota neste ano de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. A estratégia de lançamento nos Estados Unidos já foi traçada: estréia em cerca de 300 salas de mais de 50 cidades em 11 de janeiro. Os cinco indicados saem em 11 de fevereiro. Antecipadamente, já podemos definir os principais concorrentes da obra de Fernando Meirelles. A França já definiu seu candidato – Oito Mulheres, de Françoise Ozon, um musical que mistura assassinato e comédia em que o grande homenageado é o cinema como um todo. Já foi exibido em cinema no Brasil e sai em vídeo em breve. A Espanha aponta o seu concorrente só dia 11, mas deverá ser mesmo a bela obra de Pedro Almodóvar, Fale com Ela, em exibição no país. Almodóvar já ganhou um Oscar de melhor filme estrangeiro com Tudo Sobre Minha Mãe. Tem tudo para repetir a dose, sendo a aposta mesmo do diretor Fernando Meirelles.

Outro concorrente de peso vem do México: é O Crime do Padre Amaro, baseado na obra homônima de Eça de Queiroz, que escandalizou a cúpula católica daquele país e se tornou o maior recordista mexicano de bilheteria em seu território. A Itália deve indicar mesmo Pinóquio, de Roberto Benigni, o ganhador do Oscar por A Vida É Bela. A contar pelo trailer, Pinóquio deve ser uma bomba de mão cheia, apesar dos ótimos números iniciais de público quando de sua estréia, mês passado, em solo italiano. Independente de qual seja o final dessa história de Oscar, Cidade de Deus e toda sua equipe já são vitoriosos. Além de estabelecer a marca de maior bilheteria da retomada do cinema brasileiro, O2 Filmes e Rede Globo produziram a série Cidade dos Homens que, exibida em meados de outubro pela emissora, alcançou ótimos resultados de audiência. Foram quatro episódios – A Coroa do Imperador, O Cunhado do Cara, Correio e Uólace e João Victor – que focam os personagens Acerola e Laranjinha (o Dadinho e o Filé com Fritas do filme, interpretados por Douglas Silva e Darlan Cunha), que protagonizaram o curta-metragem Palace II, realizado como preparação para Cidade de Deus. Eles vivem na favela, e a abordagem é mais humanitária, abrangendo não apenas o lado violento, mas também os dramas e dilemas que a população que nela moram vivenciam.

Goste-se ou não de Cidade de Deus, não há como negar seu tremendo sucesso. Mais de 2,6 milhões de pessoas pagaram ingresso para vê-lo. Isso equivale ao sexto maior público do ano. Um feito e tanto para o cinema brasileiro.

Lucas Rodrigues Pires
São Paulo, 7/11/2002

 

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