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Quinta-feira, 28/11/2002
No banheiro com Danuza
Adriana Baggio

Que relação pode existir entre Danuza Leão e o escritor Malcom Gladwell? Danuza Leão todo mundo sabe quem é. O acúmulo de suas experiências como mulher, jornalista e socialite credenciaram-na para dar consultoria em etiqueta. Já Malcom Gladwell é autor do livro O Ponto de Desequilíbrio (Rocco, 2002). Neste livro, Malcom analisa vários tipos de epidemia, desde as de gripe até as de modismos, para tentar encontrar um ponto em comum entre elas. O resultado desta análise é a descoberta de três fatores responsáveis pelo desencadeamento de uma epidemia: o propagador da mensagem, o ponto de fixação e o contexto. O ponto de desequilíbrio é aquele a partir do qual um acontecimento sai do controle, e passa a ser uma epidemia. É um estudo interessante, que serve tanto para se avaliar o desenrolar de uma situação quanto para criar condições favoráveis para a propagação de uma idéia.

Mas voltando ao início, o que o autor e sua obra teriam a ver com Danuza Leão? Eu explico. Li uma frase dela que diz mais ou menos assim: ao sair de um banheiro, deixe-o da mesma maneira que o encontrou ao entrar. É um conselho tão simples, tão óbvio, mas com um enorme espírito de civilidade e solidariedade. E o que acontece com o banheiro quando falta esse espírito, pode muito bem ser transposto para situações menos prosaicas.

Tente lembrar de um banheiro em algum lugar da noite, com muita gente e muita cerveja rolando. Se você chegou cedo e o lugar é legal, provavelmente o banheiro ainda vai estar impecável. Mas lá pelas 3 da manhã, devido à freqüência e ao comportamento das usuárias (vou falar do banheiro feminino, que é o que eu conheço. Não sei se no masculino acontece a mesma coisa.), o toalete terá se transformado em uma verdadeira fossa a céu aberto.

As meninas, que do lado de fora são elegantes, educadas e bem-vestidas, parecem se transformar dentro do banheiro. É claro que não dá pra generalizar. Algumas são assim. Mas essas algumas são responsáveis pelo começo do estrago. Desculpe a escatologia, mas creio que não seja novidade pra ninguém a cena que eu vou descrever: absorventes largados abertos no cesto de lixo; vasos cheios de cocô porque não deram a descarga; xixi feito na tampa ou no chão, por falta de coordenação motora ou por porquice mesmo. E com o banheiro nesse estado, as outras também param de se preocupar em manter o local limpo.

Isso é o que Malcom Gladwell chama de o poder do contexto, um dos fatores responsáveis pelo desencadeamento de uma epidemia. Se o contexto é favorável, o ponto de desequilíbrio tem mais chances de ser ultrapassado, e a epidemia acontece - nesse caso, uma epidemia de sujeira. Se as pessoas que freqüentam o banheiro seguissem os conselhos de Danuza Leão, talvez a sujeira no fim da noite fosse normal para um banheiro com grande utilização. Mas entre a primeira usuária e a última, existem várias que transformam o banheiro num chiqueiro.

Foi essa mesma lógica que fez o ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giulliani, decretar o programa tolerância zero. Foi a partir da "teoria das janelas quebradas" - elaborada por dois estudiosos citados em "O Ponto de Desequilíbrio" - que o prefeito estabeleceu que qualquer infração, mesmo a mais leve, seria punida rigorosamente. A teoria partiu da observação dos bairros sujeitos à ação de vândalos. As janelas quebradas, não consertadas, levam a um descaso generalizado, incentivando mais atos de destruição. Em Nova York, locais com incidência de crimes leves, como prostituição, furtos, vandalismos, tornavam-se terreno fértil para crimes mais graves, como roubos, seqüestros, assassinatos. A política de tolerância zero diminuiu consideravelmente a criminalidade na cidade, e fez a fama do prefeito.

Chegamos então à relação entre Danuza Leão e o Malcom Gladwell. Ao seguir o conselho de Danuza, as usuárias não criariam um contexto que favorece o emporcalhamento dos banheiros. Mas esse texto não tem como objetivo lançar uma campanha pela conservação dos reservados de bares e casas noturnas do país. É que a gente pode transpor o que acontece no toalete para outras esferas da nossa vida. Um comportamento educado, solidário e civilizado no trânsito poderia diminuir a incidência de acidentes; da mesma maneira, esse tipo de comportamento pode melhorar a limpeza das ruas, das praças, dos locais públicos. Um comportamento mais ético e honesto pode inibir a corrupção no governo.

Os conselhos de Danuza, e até a própria Danuza, podem parecer meio anacrônicos. Mas vale a pena resgatar essas atitudes antiquadas. É aquela parte que a gente pode fazer para melhorar o entorno. E um ambiente melhor, mais limpo, mais organizado, mais em ordem, pode inibir a incidência de algumas epidemias que têm nos apavorado: a violência, a poluição, a miséria material e a de espírito.

Para ir além





Adriana Baggio
Curitiba, 28/11/2002

 

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