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Sexta-feira, 29/11/2002
Polêmicas
Alexandre Soares Silva

A internet é o fim da profissão de jornalista. Ou pelo menos da dignidade dela. O mais digno, barrigudo e pomposo jornalista corre o risco de ser xingado por um molequinho em Mogi das Cruzes. Ou de ser contestado num detalhe qualquer por um sujeito vagamente desequilibrado que mora entre pilhas de jornais velhos no Baixo Leblon. Não importa se o texto estava liricamente, solenemente, melancolicamente, maravilhosamente escrito. O sujeito do Baixo Leblon coloca logo abaixo do texto: "Adolpho Bloch nunca disse isso, e posso provar" — seguido de nove parágrafos com citações, inclusive, do próprio Adolpho Bloch dizendo que nunca disse isso. Logo abaixo, uma mensagem do molequinho de Mogi das Cruzes: "Hua hua hua hua! O cara mentiu malandro! Se liga mané!!!!!!! Valeeeeeeuuuuuuu!!!!"

Assim não há dignidade que resista. Mas pior que isso é que não há texto que resista. Cartas furiosas de leitores furiosos, cartas chatas de leitores chatos — essas coisas sempre existiram. Mas agora a fúria e a chatice ficam logo ali abaixo do texto, estragando todo o efeito. Piadas do jornalista são estragadas por piadas piores dos leitores. A ironia sutil do texto é estragada com a palavra "engraçadinho"; o lirismo de uma passagem é estragado com a palavra "viado"; a melancolia cuidadosamente planejada dos parágrafos é estragada com as palavras "auto-piedade", "coitadinho" e "snif-snif". Um golpe duro, um golpe duro...

Com o propósito de salvar a profissão de jornalista, proponho, portanto, a obediência a certas regras de polêmica. Não porque eu queira poupar o jornalista digno e pomposo do primeiro parágrafo — quem se importa com ele? Não, não. Minha preocupação é que, nesse sistema de comentários seguido por um bom número de jornais on-line, mesmo o maior dos jornalistas, o mais inteligente e engraçado e espirituoso, não sobreviveria. Leitores exigiriam que ele dissesse em que fatos (com datas, se possível) ele baseou determinado witticism. Estragariam o efeito de seus paradoxos ao notarem truculentamente que eles envolvem uma certa contradição. E — horror dos horrores — pediriam que ele "definisse os seus termos"!!!! Há certos golpes baixos na polêmica que simplesmente não podem ser tolerados. Por Júpiter!

Eis aqui uma pequena, provisória lista de coisas que nunca me pareceram fazer sentido algum numa discussão:

1) O golpe do "Não Generalize" — Uma das coisas que as pessoas deveriam ter em mente, quando debatem com um jornalista polêmico, é que ele sabe que existem exceções. Acredite, ele sabe. Não fique apontando o óbvio para ele, que é muito rude. Não fique dizendo: "Nem todo tenista é burro". Ele sabe. Talvez até conheça dois ou três que não são burros. A questão é que é muito menos chato escrever "todos os tenistas são burros" do que escrever "há um grande número de atletas profissionais (não só tenistas, é claro) que não são assim, digamos, muito inteligentes. Mas faço questão de frisar que há exceções". Portanto, regra número um: generalizar é divertido. Deixe o generalizador em paz. Ele sempre sabe que há exceções.

2) O golpe do "Não queira comparar" — Ah, esse é velho, e muito popular. Não se pode fazer comparação alguma sem que alguém diga: "Você está querendo comparar Jesus Cristo com Agnaldo Timóteo? Trotsky com Sharon Stone? Eliot com Cacaso?" Meu Deus, e daí? Sim, estou comparando. Comparações só podem ser feitas entre coisas diferentes. Exatamente para ver a diferença. Você compara uma melancia com a lua e conclui que uma é um bocado maior do que a outra. Mas você não compara uma melancia com precisamente a mesma melancia. É preciso ao menos que seja outra melancia, o que significa uma melancia diferente. É para isso mesmo que comparações servem! "Não que eu queira me comparar com Van Gogh, mas..." Mas o quê? Se compare, idiota!

3) O golpe do Ataque Ad Hominem O bom e velho xingamento gratuito. Nem é preciso explicar por que isso não deveria ser feito. O texto é sobre matemática, digamos — e o leitor desqualifica o autor porque, segundo fontes confiáveis, "o autor é corcunda". Que feio, que feio. Esse tipo de recurso só é válido, é claro, se o xingamento for ao menos engraçado — alguma piadinha sobre corcundas e áreas cônicas, ou algo assim. Mas essa piada tem que ser um pouco elaborada. Um xingamento puro e simples, ou um xingamento com sarcasmo puro e simples, mas sem um toque de ironia, é um comportamento digno de labregos.

4) O golpe do "Explique-se Melhor" — Também conhecido como o golpe do "Hein?", ou "Não entendi", ou "Fale Sério", ou "Baseado em Quê, Você Diz Isso?". Não há piada ou frase de espírito ou boutade ou witticism que resista a isso. É como aquele sujeito que pede para que lhe expliquem a piada. Por favor, não peça ao autor da frase espirituosa que justifique sua afirmação em 500 palavras ou menos, usando trechos de jornais de época e bibliografia selecionada. Esse é um dos golpes mais hediondos do manual.

5) O golpe do "Debate" — Ah, a mania do "debate". Não basta a alguém escrever um texto brilhante — na internet, ele tem que "debater" cada ponto de vista, sob o risco de ser considerado um idiota que não sabe o que diz. Não basta que o regime de governo seja democrático; é preciso que os sites sejam democráticos, com textos democráticos e comentários democráticos, em que leitores democráticos interpelam democraticamente as boutades do escritor democrático até levá-lo a um democrático suicídio. É como se Ibsen tivesse escrito as suas peças apenas para "debater" com qualquer badameco que se sentasse na sua mesa de café em Cristiânia. Ou Oscar Wilde tendo que "debater" seus ensaios com um estudante de sociologia de Goiás. "Não fuja, não fuja! Você não terminou de explicar como fica aquela sua frase sobre a classe média à luz dos conceitos de Durkheim!"

Na verdade, é claro, polemistas e wits famosos do passado só são respeitados mesmo porque estão mortos. Se estivessem vivos — digamos que Oscar Wilde publicasse um ensaio na internet... Sim, a idéia me agrada. Digamos que o fizesse; que Wilde mandasse para o Digestivo o ensaio "A Decadência da Mentira". O ensaio (um trecho dele, traduzido por Oscar Mendes) está logo aí embaixo; os comentários dos leitores (tais como eu os imagino) mais embaixo ainda. Me digam se estou sendo injusto. Na verdade não estou, já que confesso que estou mais ou menos copiando mensagens deixadas por leitores em textos antigos meus. Vocês vão ver que eles aplicam vários dos mencionados golpes contra o bom e velho Oscar. Enfim, vamos à experiência.

A DECADÊNCIA DA MENTIRA


Uma das principais causas do caráter singularmente vulgar de quase toda literatura contemporânea é, indubitavelmente, a decadência da mentira, considerada como arte, como ciência e como prazer social. Os antigos historiadores nos apresentavam ficções deliciosas em forma de fatos; o romancista moderno nos apresenta fatos estúpidos à guisa de ficções. (...) As pessoas falam levianamente do "mentiroso nato", da mesma maneira que do poeta nato. Mas em ambos os casos se equivocam. A mentira e a poesia são artes — artes que, como observou Platão, não deixam de ter relações mútuas e que requerem o estudo mais atento, o fervor mais desinteressado. (...) Mais de um rapaz estreia na vida com o dom natural do exagero, que, se alentado por um ambiente simpático e congenial, poderia chegar a ser algo de verdadeiramente grande e maravilhoso. Mas, em regra geral, não chega esse rapaz a nada, ou adquire costumes indolentes de exatidão ou se dedica a frequentar o trato de pessoas de idade e bem informadas. Duas coisas que são igualmente fatais para a sua imaginação (sê-lo-iam para qualquer um) e assim, dentro de muito pouco tempo, manifesta uma faculdade mórbida e malsã de dizer a verdade; começa a verificar todas as assertivas feitas em sua presença, não vacila em contradizer as pessoas que são muito mais moças do que ele e, com frequência, acaba escrevendo romances tão parecidos com a vida que ninguém acaba acreditando mais na sua probabilidade. (...) A Sra. Oliphant tagarela divertidamente a respeito de vigários, de partidas de tênis, de criadagem e de outros temas aborrecidos. Robert Elsmere é, naturalmente, uma obra-prima do genre ennuyeux, a única espécie de literatura que parece agradar plenamente aos ingleses. Na França, embora não haja aparecido nada tão deliberadamente enfadonho quanto Robert Elsmere, as coisas não vão muito melhor. (...) Em literatura exigimos distinção, encanto, beleza e força imaginativa. A história dos fatos e gestos das classes baixas nos perturba, nos enche de desgosto.

Oscar Wilde
Londres, 29/11/02

COMENTÁRIOS DOS LEITORES


1 — Parabéns — Constance

Parabéns, Oscar — belo ensaio.

2 — Texto Pedante — Núncio Pascácio

Texto pedante, afirmações sem base nenhuma. "Genre ennuyeux", "Sê-lo-iam", são expressões de pseudo-intelectuaizinhos querendo falar difícil. Um verdadeiro intelectual sabe se comunicar com o povo em simplicidade. E quem é "Sra. Oliphant", "Robert Elsmere"?? Pelo amor de Deus, o autor parece que acha que todo mundo sabe quem essa gente é, que pedante. Se fosse ao menos informativo daria uma explicação de quem são essas pessoas. Do jeito que está, consegue no máximo ser engraçadinho.

3 — Obscuridade — Oscar Wilde

Somente os grandes mestres de estilo conseguem ser obscuros.

4 — Dúvida — Márcio Bustamanti

"começa a verificar todas as assertivas feitas em sua presença" — o que mais o autor sugere que se faça????? Que se aceite tudo que se ouve sem verificar nada???? Dá um tempo...

5 — Baixo Nível — Carla Uslevsky

Cara você mente e acha bonito??? Editor, esse cara como colunista é o fim da picada, me tira dessa lista que eu tenho mais o que fazer com o meu tempo, leituras mais produtivas. Abraços, Carla. (ahonesta.blogspot.com)

6 — Correção — Leopoldo Lima

Como admirador profundo e estudioso da obra da Sra. Oliphant, devo expressar minha surpresa ao ler no texto acima que a notável romancista escocesa escreve "divertidamente a respeito de vigários, de partidas de tênis, de criadagem e de outros temas aborrecidos". Reli recentemente todos os seus saborosos romances de ponta a ponta e posso dizer com absoluta certeza que não há sequer uma única cena nos seus livros em que seus personagens joguem tênis. Em Jerusalem — The Holy City, os personagens Margareth e Tommy Fink-Nottle jogam squash. Em "Hester", a personagem homônima joga pelota basca com o vilanesco Mr. Thorndike. Importante diferença. Além do mais, se a Sra. Oliphant, segundo o colunista, escreve "divertidamente", como podem os seus temas ser "aborrecidos"?

7 — Senso de ridículo — Lucas Pergolesi

Ridículo...Gente vocês repararam no número de IP da Constance da mensagem 1? É o mesmo do autor, francamente...Gente, quer dizer, ele sabe que ninguém vai elogiar, então ele mesmo se elogia! O cara não tem gabarito nenhum!!!! Quá-quá-quá!!!!

8 — Saudação — Emerson

Saudo-o no começo de uma grande carreira.

9 — Apple-polishers — Fernando Castelinho

Regozijo-me ao ver que o cordão de puxa-sacos (ver mensagem acima) habitual a este site foi finalmente furado e a verdade da mediocridade do Sr. Oscar Wilder finalmente vem à luz. Texto preconceituoso, esnobe, sem profundidade nenhuma. A resposta do autor (mensg.3) é típica: que quer dizer isso???? Ele deve ser grande mesmo, se foi tão obscuro! Cordialmente, Fernando Castelinho.

10 — Observação — Marquês de Queensberry

Este texto é coisa de somdomita.

11 — Ajuda — Marina Klowsky

Gente por favor alguém tem os episódios 20 a 29 de Anos Incríveis para emprestar??? Estou desesperada atrás das fitas desse que foi o grande seriado que acompanhou os melhores anos da minha juventude, como a de tanta gente se puderem me ajudar valeu!!!!! Beijão, Marina a Desesperada.

12 — Quem diabos é este colunista? — Norman HPX

Só tenho a lamentar que sites como este dêem espaço a colunistas de baixo nível como o Sr. Wilder. Num mau momento numa estação de águas em Dover pedi a uma amiga que me desse algo para ler, e ela infelizmente me deu o livro dele "O retrato do Dorian que não envelhecia". Senti dor de cabeça de tantas frases engraçadinhas e citações de pintores famosos e escultores que nunca ouvi falar. Esse texto é a mesma coisa. Ele quer ser espirituoso, mas não é nenhum Alexandre Soares Silva. Cresça e apareça! Este site já foi grande coisa, mas sua reputação vem decaindo.

13 — Abuso — Emerson

Quem é "puxa-saco"??

14 — Cadê o autor? — Máicon Júnior

Meu, que é isso???? O cara se auto-elogia a si mesmo, manda uma mensagem que ninguém entende, foge do debate e ele que é inteligente? Ele se auto-intitula gênio dos mentirosos, deve ser mesmo, a genialidade dele é uma mentira...E daí aparece esse "Emerson" (deve ser o próprio autor), usando a mesma frase que usou para elogiar um tal de Whitman num outro fórum: "Saudo-o no começo de uma grande carreira". Quer dizer, nem elogio original o cara consegue inventar pra si mesmo. Putz...

15 — Algumas considerações — Alcion Magalhães

Questões importantes já foram levantadas neste fórum, e perde-se muito com a ausência (fuga?) do autor neste debate. Da minha parte queria vê-lo explicando melhor certos aspectos que poderiam até ter sido mais interessantes, não tivessem sido tratados de forma tão leviana. A concepção de mentira para Nietzsche, é claro, deveria ter sido abordada. Não fica claro se o autor se posiciona em relação aos temas da verdade e da mentira de maneira Nitzscheana ou não. Na verdade, seria muito útil se ele definisse seus termos antes mesmo do debate. O que quis ele dizer exatamente com "mentira"? Espero que o autor recobre sua coragem e volte para discutir este importante assunto; ou pensaremos que sua aversão ao debate é característico de seu reacionarismo. Para alguém que outrora se auto-definiu como "Socialista" (uma ironia involuntária, tenho certeza), o Sr. Wilder parece não gostar muito do debate democrático. Resquícios aristocráticos, talvez? Abraços, Arq. Alcion Magalhães.

16 — Mentiras e evasões — Malibã Pururuca

Enfim, Alcion, ao deixar tudo sem resposta, esses caras estão, tacitamente, aceitando que são trogloditas, sub-intelectualizados, "literatos" semi-alfabetizados, irresponsáveis, pré-iluministas, que escrevem sobre o que não entendem e que — o pior dos piores nessas alturas — sequer conhecem a obra da Sra. Oliphant. Não existe programa de idéias. Nem idéias. Só frases soltas, desconexas, citações sacadas a esmo e sem a menor necessidade. Na falta de talento e capacidade para formular análises estruturais, submergem num mundo de arremedos, de simulacros, paródias e caricaturas. Vergonha!

17 — Nojo — Fanny Frazão

Nossa que burguês... Cara vê se se liga, fica esperto, você aí nessa cidade cosmopolita, cheia de preconceito, nem sabe o que acontece por este nosso Brasil..."Criadagem" é desinteressante, é? O que é que vc acha interessante, ser um burguês preconceituoso? Textos reacionários como este, sinceramente, era pra ser engraçado, não percebi a piada. Beijokas, Fanny.

18 — Texto pretemsioso — X-1000

Se liga mané!!!!!!! Fuuuuuuuuuuiiiii!!

Alexandre Soares Silva
São Paulo, 29/11/2002

 

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