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Quinta-feira, 12/12/2002
Santa Xuxa contra a hipocrisia atual
Lucas Rodrigues Pires

Uma coisa não se pode negar a Xuxa: ela teve coragem e cacife para fazer um filme como Xuxa e os Duendes. Mais ainda ela juntou para filmar Xuxa e os Duendes 2, que estréia nesta sexta-feira 13 de dezembro. E, se a profecia se realizar, ano que vem teremos de aturar Xuxa e os Duendes 3, já que Suzana Vieira se prestou ao papel de aparecer como uma bruxa segundos antes dos créditos finais para dizer apenas que "isso não vai ficar assim"...

Antes de começar, queria apenas destacar que este filme, diferentemente de Xuxa Requebra e Xuxa Popstar, tem uma mensagem. Sim, há aquela moral da história com alguma moral em que os valores não aparecem invertidos. Por outro lado, o tino comercial de Xuxa continua a mil. A cena na qual as crianças fazem propaganda descarada da bolacha Passatempo, que é recheada e deixa a língua colorida, beira o cúmulo do ridículo. Sem dúvida, a seqüência mais deprimente dos últimos tempos do cinema brasileiro.

Sociologia do egoísmo
A rainha dos X e das crianças continua a ser o nome mais forte do cinema brasileiro contemporâneo. Desde o início da década de 90, com o lançamento de Lua de Cristal, ela domina as bilheterias, escolhe quem irá participar de seus filmes, define a trilha musical e com quem irá ficar no final de cada filme. Seu poder é tamanho que conseguiu até colocar Gugu Liberato, estrela da emissora de televisão concorrente, contracenando com ela e Guilherme Karan, e ver um cara como Carlinhos Brown fazer a música-tema intitulada "Duendes"!!!. A força que nunca seca, Xuxa atraiu cada vez mais pessoas a seus filmes nos últimos três anos. Agora não deverá ser diferente, ainda mais por contar com um elenco de apoio de muito peso. Alguns dos que de Xuxa e os Duendes 2 participam: Vera Fisher, Deborah Secco, Zezé Motta, Cristina Pereira, Betty Lago e Suzana Vieira. Todas são coadjuvantes, pouco ou quase nada aparecem, servindo apenas de chamariz ou tampão para o filme. Quem deve e sempre brilhará num filme de Xuxa é apenas Xuxa; o invólucro egoístico da moça destrói a todos que com ela contracenam. A função de cada um é parecer ridículo a ponto de conseguirmos enxergar ali apenas a antiimagem já difundida daquela personalidade. Para tanto, disfarces de bruxas e fadas, como todo o imaginário que tais conceitos trazem às crianças, são necessários para aperfeiçoar o golpe.

Xuxa tem o dom de unir diversos talentos da Rede Globo e inverter o conceito que ronda sobre eles. Vera Fisher, de deusa do Olimpo, a Rainha das Fadas que causa ojeriza no maior dos fãs da atriz; a nova musa da libertinagem, uma Lolita de temperos picantes, Deborah Secco surge como uma bruxa sem vocação ao Mal que se apaixona por um elfo e termina por se tornar uma fada; a bela Betty Lago, do topo de todo seu estilo e charme, se presta a ser a bruxa Algaz, mesquinha, com voz de debilóide com gripe, e sedenta por um choro de criança...

Como não tirar o chapéu para Xuxa se ela consegue a proeza de desmascarar esses falsos "alephs" do mundo moderno e dar a eles nova roupagem, distante do mundo de Caras e Playboy em que essas celebridades reinam e se perpetuam a cada cirurgia plástica realizada?

Transgressão anunciada
Xuxa e os Duendes 2 tem outra função também. Talvez sirva para reunir a apresentadora/atriz/cantora/executiva/milionária/mãe solteira com o pai de Sasha. Talvez para o tão esperado irmãozinho que a pequena e única herdeira do reino mágico de aspirações de Xuxa pediu à mãe e que esta proclamou - via Caras - aos sete ventos. Sim, porque Luciano Szafir é um achado no filme. Ele é Rafael, tio de quatro crianças, solteirão em busca de sua cara metade. Sim, ele vai se apaixonar por Kira, a personagem de Xuxa. Mas, se pensarmos bem, ali nada é encenado. Szafir é Luciano Szafir, com todos seus defeitos como ator, mas todas suas qualidades de homem apaixonado. Ele não esconde a admiração que sente por Xuxa e nem aquele sentimento que só quem gosta de verdade demonstra no rosto. Luciano Szafir, o escolhido, o eleito entre milhões, nada mais faz do que ser ele mesmo, com toda sua pompa e expressão inexpressiva. Caso contrário, seria acreditar demais na força e veracidade de sua interpretação. Szafir faz cara de quem quer comer e não sabe como fazer, o que acaba por deixar a outrem o papel de tomar a iniciativa, ofuscando seu personagem.

Xuxa é exímia em trazer à tona os pecados do mundo. Se em Xuxa e os Duendes ela terminou sozinha, não haveria como repetir a dose. A vida imaginária da Terra das Fadas ou o Mundo dos Duendes tem de dar ao imaginário humano e idiossincrático da população brasileira o que Xuxa não pôde dar-lhes na vida real. O final feliz da mulher Xuxa com um homem ao seu lado foi difícil demais para ela suportar; assim sendo, dá o circo e o pão à massa necessitada e faminta em seu filme - une na ficção o que na vida real lhe foi impossível. O final feliz da botânica Kira com o professor Rafael, este sim possível e saudável, pois mascarado pela mediação do filme, é a realidade que todos queriam se habituar, menos ela. A mulher independente e forte no filme acaba se entregando a uma paixão, coisa que se esquivou na vida real. E o final com o casamento e o beijo é o clímax a que a sociedade voyerista atual foi privada, mas pela ficção a mesma pode liberar seus gemidos orgasmáticos.

Xuxa e os Duendes 2 marca uma reviravolta na carreira cinematográfica da moça. Ela revoluciona seu imaginário infantil para levar às telas muitos efeitos especiais e certas ousadias que não caberia anteriormente. A libido à flor da pele está em todas as partes do filme. Como não se extasiar (para não dizer outra coisa) com os beijos na boca e de língua entre Deborah Secco e seu par romântico Thiago Fragoso? Da união de uma bruxa com um elfo, um bebê nasceu... As relações homem-mulher chegam ao cinema de Xuxa, e não mais apenas via a presença de tios e sobrinhos (como nas histórias dos personagens criados por Walt Disney e presente pelos personagens de Rafael e seus quatro sobrinhos - as crianças do filme). Enfim, é o mundo do profano invadindo o mundo fantástico e assexuado de Xuxa.

Não se assustem se desse filme nascer o irmãozinho de Sasha. Nas profundezas da ficção, a realidade prepara seu próximo show. Se não exteriorizado nas telas, a insinuação de um filme proibido para menores de 18 anos se acentua. Ou alguém duvida da capacidade de Xuxa em transformar virgens puritanas em libertinas sedentas pelo ópio carnal?

Lucas Rodrigues Pires
São Paulo, 12/12/2002

 

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