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Terça-feira, 12/6/2001
A Concepção da Popozuda
Paulo Polzonoff Jr

Saiu uma matéria no O Estado de S. Paulo alertando para um perigo gravíssimo: o engravidamento ou engravidação ou gravidez de meninas, como direi?, púberes, em bailes funk. A mim me parece um absurdo que haja o que por ora denomino a "concepção das popozudas", por vários motivos e um deles, talvez o mais forte mesmo, seja o meu assumido puritanismo. Se o leitor não fez este exercício que o faça agora: imagine uma menina indo a um baile funk escutar aquilo que chama de música mas que tenho apenas como o mais reles dos barulhos, usando uma microssaia, sem calcinha, ovulando e se deixando ser, como direi?, penetrada por um-zinho qualquer. Não, leitor, minha indignação e indagação não param por aqui.

Neste frio curitibano, um tanto quanto solitário, é verdade, fico me perguntando a que ponto adernou a civilização para irmos da pornografia de um Marquês de Sade a esta coisa inclassificável que se vê - dizem, nunca vi - em bailes funk. Quero dizer, assim como comer não é somente o ato de colocar alimento na boca, mastigá-los e engoli-los, sexo não é simplesmente um ser humano penetrando outro, seja do mesmo sexo ou do sexo oposto. Escuto alguns gritos aqui ao meu lado me dizendo que sou um reprimido, que sou um castrado, que sou à direita, que isso e que aquilo. A verdade é que não consigo compreender, para plagiar um pouquinho a amiga Daniela Sandler (que, ao que parece, está na mesma sintonia que eu neste assunto), a "geometria" da coisa.

O absurdo também se reflete numa abordagem histórica do ato sexual desta menina que se deixou ser penetrada numa coreografia de funk. Peço desculpas ao leitor, porque vou fugir um pouquinho, mas não muito, do assunto do momento, para rememorar o século que passou de forma sexual. Sim, porque é importante saber que somos (fomos?) moldados, política e socialmente, por este ato, principalmente quando feito por graduados de nações que sobre nós exercem um jugo que não deixa de ser sexual também, se é que me faço compreendido nas entrelinhas. Quero até falar historicamente sobre isso porque iniciamos um século novo (sei que alguns não perceberam, mas é fato: estamos no século XXI) e o fenômeno do sexo a la poposuda me parece um prognóstico bastante interessante do que teremos nos próximos anos politica, social e culturalmente.

Foi o sexo - e não as guerras - o que cunhou o século XX. Se bêbado, eu levantaria agora da cadeira e diria ao bar inteiro: um século de trepadas homéricas. No cerne de cada conflito, recessão, vida e morte, há o sexo. Durante estes cem longos anos soubemos como em nenhum outro período da história (talvez os gregos tenham nos igualado, mas não tenho muita certeza. É difícil encontrar numa ânfora a pintura de uma Monica Lewinsky grega fumando o espartano charuto de um Zeus, por exemplo. Apesar de que Zeus...) elevar nossos instintos sexuais a potências nunca dantes imagináveis. Pelo menos não em público, como me esclarece o Sade aqui ao lado.

O século começou já com uma bomba: Freud. O velho e bom Sigmund, pai da psicanálise, chocou o mundo com suas teorias sexuais. Até o século XX, histeria, por exemplo, era curada com sanguessugas, quando não considerada uma possessão demoníaca, nada que uma boa fogueirinha não curasse. Freud foi taxativo: é falta de realização sexual. Nossas neuroses, de acordo com o austríaco, não passam de traumas invariavelmente ligados a uma fase em que já éramos chegados em sexo, só que não sabíamos. (Estou sendo superficial, bem sei, mas não tenho a intenção aqui de escrever um texto hermético). E por aí vai. Freud nos disse o que há muito sabíamos, mas tínhamos medo ou vergonha de assumirmos: somos basicamente controlados por nossos desejos sexuais.

Há quem pense que a liberação sexual, que não chega n só ocorreu nos anos 60. Engano. Na década de 20 algumas mulheres já deixavam o espartilho de lado para assumirem uma posição mais ativa na sociedade. Para quem se interessa por literatura erótica de bom gosto não posso deixar de indicar Anaïs Nïn e o velho e bom Henry Miller. Antes disso, caros, o máximo que havia em literatura era o Decameron, o já citado Sade e, pasmem!, A Divina Comédia. Fico imaginando um adolescente levando Dante para o banheiro: nada mais prosaico. Aliás, todas as vanguardas deste século tiveram o sexo como motivação. Vejam a promiscuidade de Guernica (e, num outro plano, a do próprio Picasso), os falos egocêntricos de Dalí, a sexualidade jazzística de Pollock.

Foi com a Segunda Guerra Mundial que a coisa começou a descambar. Como era costume desde a Antigüidade, enquanto os homens iam para a guerra as mulheres tratavam de aproveitar o tempo livre. Já disse e repito: nada disso, até o século XX, era novidade. Só que neste século tratamos de tornar as coisas mais, como direi?, públicas. Não foi por acaso que por esta época surgiram os primeiros símbolos sexuais. Antes disso, ó ignóbeis leitores, ninguém se masturbava coletivamente pensando numa só pessoa (pelo menos não num só momento). Rita Hayworth, Marilyn Monroe, Doris Day, Débora Kerr, entre outras, fizeram a felicidade dos homens. Por outro lado, Humphrey Bogart, James Stewart, Fred Astaire e Frank Sinatra faziam as mulheres delirarem com aqueles gritinhos histéricos. (Freud tinha razão, não tinha?).

A história em suas manifestações mais evidentes, como a guerra, sempre esteve relacionada com o sexo. Quem duvida que vá ler a historia de Mata Hari. As maiores personalidades políticas deste século, como Hitler e Roosevelt, tiveram suas respectivas participações na história com uma boa pitada de sexo. Hitler, como todos sabem, foi corneado até alma, ainda adolescente, por sua prima, Geni Rabal (que sabiamente se matou), e era um frustrado com sua amante, Eva Braum. Aliás, há quem tenha escrito que Hitler não tinha um dos testículos, o que deve ser muito significativo. Não conseguindo seus orgasmos rotineiros, resolveu brincar de guerra e deu no que deu (com o perdão do trocadilho). Roosevelt, por sua vez, era um tremendo canalha, corneando sua primeira-dama com todas as demais-damas que lhe aparecessem. Para abafar um escândalo sexual, resolveu se meter no conflito europeu e o resto vocês também já sabem. Não é à toa que Clinton é comparado a todo instante a Roosevelt. Não vou nem tocar no nome de Kennedy para não estourar meu espaço.

Nos anos 60, com a advento da televisão, LDS, rock e outras porcarias do gênero, a coisa virou putaria mesmo. Como a maioria destes leitores é dado a uma nostalgia desta época, dispenso aqui maiores explicações.

O resultado de tudo isso é que chegamos ao fim do século com nossa sexualidade em frangalhos e, pelo visto, começamos com ela mais esfrangalhada ainda no início do novo século. Com o perdão da vulgaridade involuntária: todo mundo dá para todo mundo, a toda hora, em qualquer lugar (de preferência na TV), sem que haja o mínimo de desejo nisso tudo. Às vezes o sexo é feito para satisfazer vontades alheias à do indivíduo. Sexo, além de tudo, virou produto de mercado. Não demorará muito para ser vendido orgasmo enlatado.

Aliás, acho bastante interessante o fato de o século XX ter terminado com a depressão atingindo mais de dez por cento da população mundial e com as mulheres escolhendo os homens como os homens as escolheram durante séculos, ou seja, como mercadoria, contrariando todos os genes possíveis (atenção feministas de sovaco peludo de plantão: leiam O Animal Moral, de Robert Wright, antes de virem me xingar de machista, porco chauvinista e coisas do gênero).

Voltando ao baile funk, que é o assunto que gerou este texto. Esta menina de 14 anos que teria engravidado no baile, segundo o jornal O Estado de São Paulo, o que esperava ela ao se deixar ser penetrada assim, ao som daquela musiquinha vagabunda? Apenas livrar-se do perigo da histeria diagnosticado por nosso amigo Freud? Ora, ela nem sabe quem foi Freud.

De qualquer modo (e para encerrar de uma vez, que hoje estou caudaloso), é significativo ter esta senhorita (chamemo-la assim: senhorita) como um exemplo não da mulher, mas do ser humano do século XXI: ela tem acesso a toda informação sobre gravidez, contra-concepção e Aids e ainda assim se deixa ser penetrada numa festa; há uma possibilidade, se a coisa aconteceu como eu imagino, de que ela não tenha nem visto a cara do macho que a fecundou (desculpe os temos biológicos, mas só consigo pensar na coisa como algo que remete à primitividade); ela criará este filho, sem pai, mal sabendo como explicar sua geração; ela o culpará por sua vida medíocre a partir de agora, por sua infância perdida, por seu futuro jogado no lixo; daqui a dois anos ela não saberá mais cantar o Bonde do Tigrão, mas escutará, pela casa, os ecos de seu filho que grita a musiquinha da Xuxa que estiver nas paradas da época.

E eu continuarei resmungando textos como este, ao som, hoje, de Dinah Washington: What a Difference a Day makes.

Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 12/6/2001

 

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