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Quinta-feira, 19/12/2002
Para entender o Centro da Terra
Manoel Fernandes Neto

A questão se refere a um texto publicado na revista Carta Capital, assinado por Thomaz Wood Jr. Com o "sugestivo" título "Estraga o Raciocínio", o articulista tece comentários nada lisonjeiros sobre a utilização das tecnologias da informação - leia-se também Internet - na formação acadêmica de alunos a partir do curso secundário. Um desfile de ironias que não chega a lugar nenhum. Alimento para um maniqueísmo desnecessário em tempos de diversidade. Críticas vazias aos avanços que empresas e escolas estão alcançando com a adoção da comunicação em rede na formação de cidadãos mais preparados em reconhecer a diferença entre a sabedoria e a imprecisão.

Não conheço pessoalmente Thomaz Wood Jr. Desconfio também que ele não me conheça, mas talvez concorde com diversas teses colocadas nessa humilde réplica - um dos exercícios com que nos presenteia a democratização dos meios de comunicação: aprendizado certo já que o artigo tem o mérito de levantar o debate pela adoção de raciocínios estreitos e antigos que reduzem o tema a questões irrelevantes, como a adoção do "copy e paste" pelos alunos em relação à feitura de "trabalhos escolares" e a realidade que cada vez mais pessoas estão conversando "vidrados na telinha", como diz o professor. A argumentação generaliza situações e decreta de uma forma superficial a falência do uso do potencial das tecnologias da informação como instrumento de formação do "novo ser pensante" que surge com a Web. Gente mais independente, curiosa, disposta e habilitada para a transformação.

O Centro da Terra, de fato, desperta estranheza. Como conceber que cada vez mais pessoas exercitem vários tipos de relacionamentos humanos utilizando conexões instantâneas que desprezam o controle, a localização física e valores estéticos pré-estabelecidos? Na Web, gosto de você não por causa de seus "lindos olhos azuis", mas pela empatia que você desperta, pelo conhecimento que tem e divide, pela forma como você se expressa ou reage aos acontecimentos. Uma gaia viva confundindo os meios de comunicação de massa na sua função de informar o que de fato ocorre no mundo virtual. Tão distante de suas realidades em deterioração.

Essa anomalia, bem compreendida no tipo de raciocínio demonstrado no referido texto, ainda resiste em publicações da grande imprensa, que demonstram certa resistência (preconceito? temor?) com a propagação sem limite do uso do computador nas salas de aula. A propósito, Rodrigo Baggio explicou recentemente a um espantando Jô Soares como mais de 400 mil jovens estavam sendo atendidos no Brasil pelo CDI (Comitê para a Democratização da Informática) sem terem suas "mentes estragadas" - pelo contrário. Trocavam a rua pelo microcomputador em rede com um milhão de vozes explicando o significado de cidadania, ou como gostamos de chamar: a Linkania. E o nosso gordo divertido e "bem informado" ficou feliz dando uma notícia que desde de 1999 é debatida por aqui.

O Centro da Terra nos remete também a antigos seriados, da década de 70, onde o desconhecido ia sendo explorado por cientistas com seus capacetes luminosos e mapas impossíveis de serem compreendidos. Na Web, essa corrente apaixonada de neurônios pulsa e vive em milhões de comunidades criadoras de iniciativas inovadoras na busca de novos caminhos nas mais diversas áreas. Da científica à artística. De interesses esotéricos aos de cunho estratégico. Da organização ao caos. Criam-se softwares, sistemas, conceitos e pensamentos livres que instruem, divertem e politizam a humanidade do futuro. Figuras desenhadas nas paredes das "cavernas" de Blogs e um aprendizado em tempo real. Uma temeridade, jovens que pensam: outro aspecto que, pela sua ausência de discussão na argumentação de Thomaz Wood Jr., deixou o texto desatualizado implacavelmente com a rapidez desses novos tempos. A moradia do pensamento , esqueceu o articulista, é o Centro da Terra.

Ora, todo jovem estudante que utiliza a Web ou conhece ou está perto de conhecer o que são os posts, os links (e o "copy e paste"): os achados das comunidades blogueiras. Diversos corsários no oceano digital na caça dividida entre todas as embarcações.

Outra realidade sugerida pelo texto é que os professores devem se reciclar com novos conceitos, apesar do salário achatado e a falta de sensibilidade de "governos anteriores". Já não são mais os soberanos da sala de aula e estão à mercê de novos e acalorados debates em torno de seus conhecimentos, surgidos com uma simples busca do Google.

A consciência de que o saber não é mais uma exclusividade de ambientes acadêmicos seria um ótimo começo para se tornar um verdadeiro "mestre" do futuro, que deve envolver e motivar seus "discípulos" com ferramentas verdadeiras de aglutinação, até mesmo longe das salas de aula. Já existem ótimos exemplos de universidades que desenvolvem sistemas criados no open source PHP e que englobam rotinas educacionais, referências, agendas, e um contato entre aluno e professor, que podem estar em casa ou no café mais próximo, saboreando um cappucino e indicando links bibliográficos para leitura, ou também atualizando o "Blog coletivo da turma de economia", que em muitos casos pode substituir os calhamaços de papel, que muito chateiam e pouco encantam, pois jamais libertam o verdadeiro link com infinitas possibilidades de aprendizado.

O Centro da Terra pode assustar aqueles que se negam a se integrar a essa Torre de Babel de confronto franco de idéias e de mutações de ultrapassadas experiências. A plena utilização das ferramentas hoje à disposição requer ampla abertura da visão de nossos educadores, debatendo pontos da utilização da tecnologia para a ampliação do saber. Mergulhos profundos fazem bem.

Aos alunos, realidade e resistência. É falar para o professor que as atividades estão publicadas na Web, com os links de todas as fontes de pesquisa e a participação do público, opinando e reconstruindo a investigação acadêmica: com certeza uma "tarefa escolar" com audiência muito mais verdadeira e precisa.

Nota do Editor
Manoel Fernandes Neto é editor da revista Novae, onde este texto foi originalmente publicado.

Manoel Fernandes Neto
Blumenau, 19/12/2002

 

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