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Quinta-feira, 14/6/2001
Notas de Protesto
Rafael Lima

Você já leu o meu blog?
Esses dias reencontrei 2 antigos conhecidos pela internet, a "máquina de aproximar os distantes e afastar os próximos". Cheguei até eles através de seus respectivos blogs. Houve um tempo em que ter e-mail no cartão de visita era um diferencial. Houve um tempo, inclusive, em que as pessoas não falavam em "ter um diferencial". Prosseguindo, também já houve um tempo em que o tal do diferencial era a homepage pessoal. Insatisfeitas com a visitação decrescente que suas páginas tinham ao longo do tempo, essas pessoas começaram a atualizar suas páginas freqüentemente, depois todo dia, até que pintou a vontade de colocar alguma coisa lá assim que desse na telha. Um programinha foi criado para facilitar essa brincadeira, e presto!, cresceram e multiplicaram-se os weblogs, ou seja, os diários da rede, ou simplesmente: blogs. Apesar do formato do blog ser imensamente mais versátil que pressupõe uma primeira olhada, acabou acontecendo com eles o que acontece com uma cidade que tem muros recém-pintados demais: alguns deles terminam fatalmente pichados. Ou seja, os blogs se transformaram no mais novo palco dos exibicionistas de plantão. A capacidade de distribuir informação de um blog é tamanha, que causa revolta essa subutilização narcisista a que estão submetidos. Não sei qual a melhor maneira de insultar, mas a mais óbvia, não tenho dúvida, é dizer para essa turma largar um pouco o computador e arrumar uma vida do lado de fora - até para terem mais o que escrever em seus blogs... Cada vez que eu entro num blog pessoal - por mais interessante que sejam os textos - meu impulso é mandar uma mensagem nos seguintes termos: "Eu não quero saber sobre a sua vida pessoal. Eu respeito a sua privacidade. Eu acredito que você tenha sentimentos suficientemente íntimos. Encontre outras maneiras de dividir sua existência comigo". Na verdade, não é de hoje esse hábito de colocar seus journals (que seria o termo mais apropriado para diário do que log) ao alcance público; eles existem desde os primeiros tempos da rede. Do que se tiram duas conclusões: a) a imensa potenciação que a internet deu ao cotidiano, corriqueiro e efêmero; b) o mau uso que se faz dos seus recursos. Pensando objetivamente, para trocar opiniões sobre um tema específico existem os newsgroups; para compartilhar intimidades, usa-se o e-mail; para obter informações, procura-se em homepages e servidores de FTP. Mas os bons blogs - e há bons blogs, não tenha dúvida - subvertem esse separatismo, juntando o melhor de cada um no maior exemplo de inclusivismo e justaposição da internet: não é preciso organizar a informação; sua coerência interna emerge do caos aparente segundo os olhos de cada leitor, apontando para novas e inusitadas associações. Os blogs se equilibram entre o paraíso da informação livre prometida pelos Moisés cibernéticos e o inferno egomaníaco dos Dorian Gray digitais.

O consumo é a medida de todas as coisas
Ao entrar num supermercado em Portugal, o senhor K. se sentiu mal por não encontrar produtos das marcas que ele costumava encontrar em São Paulo. Cada marca sinalizava uma ordem de qualidade, sem a qual ele não tinha como identificar se o produto era bom ou não. Mais do que por qualquer outra coisa, hoje o ser humano classe média se expressa por meio do consumo. Mesmo quando se tratam de bens culturais - livros, discos, revistas, filmes - são todos itens encontráveis no mesmo mercado que vende bananas e Coca-Cola. Não existe mais espaço para expressão artística, ou seja, livre, para pessoas não relacionadas economicamente com sua produção. E nunca é demais lembrar que mesmo dentro da indústria cultural existe muito pouco espaço para movimentação. No antológico ensaio A Década do Eu, Tom Wolfe explica que a folga financeira conquistada pelas classes média e baixa norte-americanas nos anos 60 e 70 foi canalizada de uma maneira nunca vista até o momento: as pessoas passaram a investir em si mesmas, no conhecimento e desenvolvimento pessoal. O que é admirável, conta Wolfe, é que esse era um movimento próprio - e permitido - apenas a reis e nobres, e que, naqueles dias, explicava uma série de mudanças pelas quais a sociedade norte-americana passava, desde as caravanas de aposentados que caíram na estrada cruzando a América à ascenção dos movimentos evangélicos, passando pelas comunidades hippies e pela Seita Moon. As pessoas sentiam que havia algo maior ao seu alcance, e queriam aprender como lidar com aquilo. 25 anos depois, a impressão é que não há mais nada que se queira - nem que se possa - alcançar. Não há mais poetas amadores, músicos de horas vagas ou cartunistas de jornal de bairro. Apenas profissionais. Mesmo quando se disponibiliza um meio com possibilidades infindáveis como a internet, é preciso driblar os amontoados de registros pessoais, sacralização de banalidades, quando não coleções de fotos de gente pelada para se chegar nas fontes de valor.

Careta é a mãe
Uma das coisas que o politicamente correto nos ensinou foi a olhar com mais atenção para referências culturais fora dos cânones ocidentais. Embora não tenha ensinado como estabelecer um juízo de valor - a questão do relativismo cultural -, mostrou claramente que sempre existe uma outra maneira de ver a História. O politicamente correto é um dos filhos mal-criados (junto com o movimento feminista) das manifestações de contra-cultura da segunda metade do século passado, que pretendiam mudar a cara do sistema capitalista dominante. Não venceram a guerra, mas ganharam uma batalha que não pode ser enxergada como vitória de Pirro, a mudança das mentalidades. Hoje, não é permitido criticar, nem mesmo questionar as benesses do pensamento de "esquerda" em um país ocidental capitalista qualquer, a despeito do desenvolvimento que o último tenha trazido. Este é o tema central da tese de Olavo de Carvalho. O fato é que o pensamento é tão arraigado nas mentes que volta e meia chega-se a situações de ridículo sem se perceber. Mesmo que o jornal Valor Econômico pregue a ideologia neo-liberal em suas páginas principais, no caderno de cultura a capa será de um Zé Celso qualquer. É radical chic (© Tom Wolfe), por exemplo, apoiar as ações do movimento dos sem-terra, sem se indagar até que ponto é justificável seu uso da violência. A mesma coisa ocorre em relação às drogas, dada a disseminação de seu uso, ao qualificar como careta ou retrógrado qualquer um que opte por não utilizá-las ou seja contra a legalização das drogas como moeda corrente. Luís Carlos Maciel, há 30 anos, já diagnosticava isso:

"O que me preocupa é outra coisa: o fascismo que não ousa dizer o seu nome e é produto, invariavelmente, do medo, da insegurança existencial e neurótica e de um desesperado mecanismo de defesa. Essa doença se manifesta entre nós, freqüentemente, na prática totalitária da classificação a priori de qualquer pessoa como 'careta' ou qualquer coisa como 'caretice'. Os dois elementos estão presentes aqui: o mito irracional que estabelece privilégios de um ser humano sobre outro e a intolerância feroz que tende a negar ao outro o próprio título de ser humano."

Ouro de tolo
Pixação num muro australiano, anotada por Eddie Campbell: "I want to be what I was when I'd liked to be what I am"

Rafael Lima
Rio de Janeiro, 14/6/2001

 

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