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Sexta-feira, 31/1/2003
Os X-men e o fim da infância
Gian Danton

Em artigo anterior, falei das histórias em quadrinhos e de sua capacidade de nos transportar para o Castelo do Santo Graal. No mesmo texto falei que boa parte dos super-heróis representa o mito do fim da infância.

Mitos sobre o fim da infância existem há muito tempo e descrevem o processo pelo qual passa um garoto do início da puberdade até a idade adulta. Eles, de certa forma, indicam o caminho para que esse processo ocorra de maneira normal e sem grandes choques.

Vejam, por exemplo, o mito do cavaleiro. Todos nós já ouvimos histórias sobre um cavaleiro andante que, tendo nascido de maneira obscura e humilde, abandona o lar em busca de aventura. Ele enfrenta perigos, mata dragões e, finalmente, é recompensado por sua bravura com um trono e uma bela princesa.

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A explicação do mito é dada por Anthony Stoor, no livro As idéias de Jung:

"Todos nós começamos a vida como crianças impotentes. Todos temos de nos emancipar dos pais e outros adultos, e enfrentar independentemente a vida e seus desafios. Se não conseguirmos, nunca atingiremos uma posição no mundo (trono) nem alcançaremos suficiente maturidade heterosexual para conquistar uma companheira (a bela princesa). Pelo contrário, seremos destruídos pelo dragão; e todos conhecemos, uma família pelo menos, em que o filho foi destruído pela mãe-dragão, de quem não conseguiu emancipar-se".

Da mesma forma, os mitos modernos encontrados nos quadrinhos e nos desenhos animados falam sobre o mesmo processo psicológico.

Um dos meus mitos prediletos é o dos X-men. A equipe é toda formada de jovens (e quando os membros da primeira geração ficaram adultos, os roteiristas providenciaram uma nova geração, chamada de Os Novos X-men).

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Todos eles abandonam suas famílias para fazerem parte dos X-men. Isso fica muito visível no caso da Kity Pride. Quem leu a saga da Fênix percebeu o quanto o processo de separação dos pais foi traumático para a menina. Mas ela sobreviveu e tornou-se uma heroina.

Nenhum herói vira herói debaixo da barra da saia da mãe.

Mas, claro, muitos ficam na dúvida. A vida de criança é cheia de alegrias e livre de responsabilidades e perigos.

O Homem-aranha mostra bem esse conflito. Se dependesse da Tia May, ele nem mesmo sairia na chuva. O herói vive esse dilema: uma parte dele quer obedecer a Tia May e continuar criança para sempre. A outra quer enfrentar os problemas do mundo e tornar-se adulto. Um ícone perfeito desse dilema é o famoso desenho do Steve Ditko, mostrando o rosto do personagem dividido entre Peter Parker e o Homem-aranha.

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Mas eu disse que gosto mais do mito dos X-men. E isso acontece porque ele nos ensina que não precisamos enfrentar o dragão sozinhos. Podemos unir nossas forças em torno de um grupo com um objetivo comum. O grupo nessa fase é essencial. Ele permite que as pessoas possam usar suas habilidades de forma complementar, tornando-se mais fortes. O Cíclope e o Wolverine podem parecer completamente opostos, mas os dois formam contropontos importantes para o equilíbrio do grupo. Wolverine é impetuoso e agressivo. Cíclope é calculista e racional. Um grupo formado só de Wolverines se mataria no primeiro dia. Um grupo formado só de Cíclopes seria uma chatice só. O grupo é também uma forma de ensinar que as diferenças são positivas e devem ser não só toleradas, como também aproveitadas para o bem comum.

Como já foi dito, o adolescente precisa quebrar o vínculo com pais para tornar-se adulto. Por isso o grupo X-men é formado apenas de adolescentes. O único adulto é o professor Xavier. Ele faz o papel do ídolo.

Quando a criança "sai da casa paterna" (metaforicamente falando), cria-se um vácuo. Antes os pais eram o modelo de comportamento. Eram o guia, que dizia o que era certo e o que era errado, o que valia e o que não valia. Na sua ausência, são substituídos pelos ídolos.

Todo adolescente tem um ídolo. As meninas costumam tomar como ídolos cantores ou atores famosos. Os garotos podem ter como ídolo um rapaz mais velho, ou um personagem de quadrinhos, ou até um cientista famoso. O importante é que ele pareça sábio e confiável e apresente um padrão de comportamento a ser imitado. O ídolo se torna um novo guia, em substituição à figura dos pais (depois da adolescência os ídolos deixam de ter tanta importância e costumam ser abandonados).

Seguir um falso ídolo pode ser perigoso. Há garotos que tomam como ídolos marginais famosos e isso faz com que seus padrões de comportamento sejam completamente distorcidos. Isso é facilmente perceptível no filme Cidade de Deus, em que os traficantes se tornam o padrão a ser seguido pelas crianças.

Nos X-mem o falso ídolo é representado pelo Magneto. Ele reúne em torno de si jovens que não tiveram discernimento o bastante para perceber a diferença entre o certo e o errado.

O professor Xavier é, portanto, a figura que substitui a presença dos pais, orientando os jovens heróis.

Não quero que pensem que essa interpretação pode ser feita apenas a partir de histórias de super-heróis. A cultura pop está repleta de mitos sobre o fim da infância. O desenho animado A Caverna do Dragão é um ótimo exemplo. Ali as figuras arquétipicas são tão palpáveis que podemos reconhecê-las facilmente. Temos a separação dos pais (a ida para um outro mundo), os perigos, o grupo e o ídolo (o mestre dos magos). Eles precisam enfrentar as provas que se apresentam e sua volta à terra é condicionada ao enfrentamento desse perigos.

Até os seriados japoneses apresentam essa textura. Digimon, por exemplo, é muito semelhante à Caverna do Dragão.

Esses mitos, facilmente encontráveis nos meios de comunicação de massa, são verdadeiros manuais, que ajudam a criança nesse processo que culminará na vida adulta. Depois de algum tempo, eles são substituídos por mitos mais adultos, como é o caso das histórias em quadrinhos Sadman e Monstro do Pântano.

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Gian Danton
Macapá, 31/1/2003

 

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