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Sexta-feira, 21/2/2003
No Ritmo da redundância
Gian Danton

Há algum tempo alguns alunos me deram um desses livros de auto-ajuda sobre como conseguir o equilíbrio entre o sucesso profissional e a qualidade de vida. O livro sugeria que eu deveria encontrar mais tempo para mim, mas não dizia como fazer isso. Logo cheguei à conclusão de que uma ótima maneira de encontrar mais tempo para mim era deixar de ler aquele livro e ir brincar com meus filhos. A coisa toda parecia um monte de comentários óbvios reunidos em uma bela capa, uma ótima encadernação e impressão de primeira. É essa mesma impressão que se tem ao ler o livro No Ritmo da Vida, de Richard Carlson e Joseph Bailey, editora Rocco.

Carlson é autor da série Não Faça Tempestade em Copo d'água. Se isso diz algo para você, ótimo. Carlson se juntou com o psicólogo Joseph Bailey para escrever um livro sobre o que eles chamam de "psicologia da mente". A própria nomenclatura é curiosa. Psicologia da mente. Se levarmos a idéia em frente, vamos concluir que os dois sugerem que as outras teorias psicológicas tratavam de outras partes da anatomia humana. Freud provavelmente era a psicologia do pênis. O behavorismo deveria ser a psicologia do músculo. A gestalt deveria ser a psicologia do olho.



Chamar uma teoria de psicologia da mente só que demonstra toda a redundância que virá pela frente. Se é redundância o que você quer, não haverá decepção. Textos na forma de Sol (Não, não é brincadeira, há um gráfico na forma de sol na qual a expressão FUNCIONAMENTO PSICOLÓGICO SAUDÁVEL - A REALIZAÇÃO DA SAÚDE MENTAL INATA é rodeado de palavras como OTIMISMO, COMPAIXÃO e, claro, SAÚDE MENTAL INATA).

São 205 páginas de muita, muita redundância e obviedade. Todos nós sabemos que é necessário arranjar um tempinho a mais para nós mesmos. Todos nós sabemos que não adianta a realização profissional sem a realização pessoal. Isso eu já sei e, se você não tiver o QI de uma lesma, deve saber também. O que eu gostaria de saber é como fazer isso. E essa é a resposta que No Ritmo da Vida não dá.

Para qualquer um que já tenha lido filosofia oriental, um livro como esse soa como a palavra redundância escrita um milhão de vezes. Como se diz, é uma publicação BO. Bom para otário. Bela capa, ótima encadernação, mas nenhuma conteúdo. Quem gosta de quadrinhos deve conhecer o trabalho do desenhista inglês Brian Bolland. Na década de 90 ele foi uma dos melhores capistas dos quadrinhos norte-americanos. Nós costumávamos chamá-lo de pega trouxa. Não que ele fosse ruim, nada disso. É que seu trabalho era tão bom que era colocado pelos editores como capa das piores revistas da editora. Quem comprava pela capa, logo descobria que o conteúdo era bem inferior. Quem comprar No Ritmo da Vida pela capa vai ter a mesma impressão.

Se você quer realmente algumas soluções para uma vida equilibrada, há um livrinho muito mais barato e antigo: o Tao Te King.

Dizem que Lao Tse (o Jovem Sábio) era conselheiro do imperador da China. Um dia ele se cansou das intrigas da corte e resolveu ir embora. Quando passava pela muralha da China, o guarda, sabendo que o Imperador não ia gostar nada de saber que havia perdido seu conselheiro mais sábio, bolou um estratagema para fazê-lo voltar. Ele pediu que Lao Tse escrevesse um livro que contivesse toda a sua sabedoria. Lao Tse se sentou numa pedra durante uma hora, escreveu 81 poemas e os entregou ao guarda. Era o Tao Te King. Depois desapareceu.

Esse livrinho não tem toda a pompa de um No Ritmo da Vida, e não tem tantas páginas, mas tem muito mais conteúdo. Tao Te King não apresenta nada da baboseira óbvia e melosa dos livros de auto-ajuda. Mas deveria ser lido por todos, especialmente pelos governantes.

Um exemplo retirado do Tao Te King (tradução de Huberto Rohden - há outras boas traduções nas livrarias):

Palavras verdadeiras não são lisonjeiras.
Palavras lisonjeiras não são verdadeiras.
O homem de bem não fala muito.
Quem fala muito não é homem de bem.
Homens sábios não são eruditos,
Homens eruditos não são sábios.
Quem trilha o caminho da perfeição,
Não acumula tesouros.
Riqueza é para o sábio
O que ele faz pelos outros.




Gian Danton
Macapá, 21/2/2003

 

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