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Quarta-feira, 12/2/2003
Hilda Hilst: A Obscena Sra. D
Najah Zein

Hilda Hilst vestiu-se e despiu-se de várias máscaras, incorporou diversos personagens para ser sempre a mesma. Poeta, dramaturga e ficcionista, escreve há mais de cinqüenta anos. Seu nome é o mais ambíguo da literatura brasileira contemporânea. Segundo o crítico Léo Gilson Ribeiro, ela é "a mais perfeita escritora viva da língua portuguesa". Outros consideram sua obra simplesmente ilegível e incompreensível. Ignorando todas as críticas negativas a respeito de sua literatura, Hilda segue sua viagem cada vez mais profunda e ousada falando o que pensa sobre sua vida e sua obra.

Estar sendo. Ter sido...
Natural da cidade de Jaú, no interior de São Paulo, nasceu em 21 de abril de 1930. Filha única do jornalista e poeta Apolônio de Almeida Prado Hilst e de Bedecilda Vaz Cardoso, Hilda mudou-se ainda bebê com sua mãe para Santos devido à separação de seus pais. Em 1937, foi estudar no colégio interno Santa Marcelina, em São Paulo. Lá ficou por oito anos e, em 1945, matriculou-se no curso clássico de Escola Mackenzie, também em São Paulo. Nessa época, morava num apartamento na Alameda Santos, com uma governanta chamada Marta.

Após terminar o curso, seguindo os conselhos de sua mãe, foi estudar Direito na Faculdade do Largo do São Francisco em 1948. Neste período iniciou uma vida boêmia. Em seus anos de faculdade, foi escolhida para saudar a escritora Lygia Fagundes Telles, que estava lançando o livro de contos "O Cacto Vermelho". Formou-se em 1952, mas exerceu a advocacia por apenas alguns meses, pois confessou ter ficado "apavorada" com a profissão.

Entre 1957 e 1961, Hilda viajou pela Europa, visitando a França, Itália e Grécia. Em 1968 casou-se com o escultor Dante Casarini.

A Poeta, Narradora e Dramaturga
Com apenas 20 anos, publicou seu primeiro livro, "Presságio". Um ano depois, "Balada de Alzira". Em 1955 lançou "Balada do Festival", entre outros e em 1960 "Trovas de Muito Amor para um Amado Senhor". Uma seleção de sua obra poética está reunida em "Poesia 1959/1967". Em 1982, lançou "A Obscena Senhora D", livro que marca o início de sua fase erótica, anunciando o seu adeus à "literatura séria". Justificou esta atitude como uma tentativa de vender mais e conquistar o público. Esta sua obra provocou espanto e indignação na crítica e em seus amigos. Depois deste, em 1984 publicou "Poemas Malditos, Gozosos e Devotos". Dois anos mais tarde sai "Sobre Tua Grande Face" e "Com Meus Olhos de Cão e Outras Novelas". Em 1989, "Amavisse". Mas com o livro "O Caderno Rosa de Lori Lamby", consagrou sua fase pornográfica.

Em sua obra, Hilda reúne os três gêneros essenciais da Literatura: poesia lírica, dramaturgia e prosa narrativa. De início, dedicou-se exclusivamente à poesia, sua verdadeira paixão, que foi estimulada pelo poeta e jornalista João Ricardo Barros. Entres os poetas que a influenciaram, estão Höelderlin, Reiner Maria Rilke, John Donne, René Chare Saint-John Perse. Alguns evitam usar o termo "poetisa" ao mencionar seu nome por ser "carregado de associações patriarcais". Hilda estampou sua vida em suas obras, tanto como poeta, como dramaturga. Na poesia registrou o ambiente de colégio de sua infância: "Os amantes no quarto/ Os ratos no muro/ A menina/ Nos longos corredores do colégio".

Na dramaturgia obteve incentivo de Alfredo Mesquita, fundador e por muitos anos, diretor da Escola de Arte Dramática de São Paulo. Hilda dizia que "queria falar com os outros", coisa que através de sua poesia, achava não conseguir. Desejava comunicar-se com as pessoas. Escreveu oito peças de teatro cuja maioria permanece inédita até hoje. Poucas peças foram encenadas, uma delas foi "O Vertugo", que ganhou o Prêmio Anchieta em 1969. Outras foram encenadas na Escola de Arte Dramática de São Paulo e por alguns grupos amadores.

Entre os amigos que tiveram grande influência em sua vida, estão o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, Sérgio Millet, Lygia Fagundes Telles, Bráulio Pedroso e o poeta português Carlos Maria Araújo, a quem dedicou "Pequenos Funerais Cantantes", por causa de sua morte precoce: "Dorme o amigo em seu corpo de terra./ E dentro dele a crisálida amanhece:/ Ouro primeiro, larva, depois asa/ Hás de romper a pedra, pastor e companheiro". Manteve durante muitos anos correspondência com Gilberto Amado e Carlos Drummond de Andrade, mas foram os poetas Jorge de Lima, Fernando Pessoa e Cecília Meireles que mais profundamente a tocaram. A epígrafe escolhida para "Sete Cantos do Poeta para o Anjo", de 1962, foi de Jorge de Lima: "Nunca fui senão uma coisa híbrida/ Metade céu, metade terra..."

Imortalidade
Sua preocupação com a imortalidade está sempre presente em suas obras. Em seu livro "Ter sido, estar sendo..." descreve uma longa trajetória, cheia de indagações metafísicas. Hilda mergulhou tão fundo nesse tema, que acabou ultrapassando a fronteira da literatura, entrando nas ciências exatas. Está sempre rodeada de livros de física, matemática e filosofia, procurando refletir, do ponto de vista científico e não só metafísico, sobre questões como a imortalidade da alma. Por isso vive entre os livros do físico Stephan Lupasco, que defende a teoria de que a alma é feita de matéria quântica.

Foi essa sua curiosidade que a levou, nos anos 70, a realizar várias experiências para gravar vozes de mortos. Essa idéia surgiu a partir das experiências feitas pelo cientista sueco Friederich Yuergenson. Hilda espalhava gravadores pela casa deixando-os ligados para poder gravar o som dos mortos. Mais tarde os trocou por gravadores cassete acoplados a rádios sintonizados entre duas estações e, assim, conseguiu gravar vozes enigmáticas que diziam fragmentos de fases, pronunciavam palavras que, segundo ela, chegavam até doze vocábulos. Estas suas tentativas não foram levadas a sério, então as deixou de lado e hoje ironiza dizendo: "Fosse hoje, com os cientistas buscando novos paradigmas, eu não passaria por louca".

Mas nem sempre sua relação com a ciência foi fácil. Lembra que quando menina era péssima em matemática: "As freiras do colégio onde eu era interna propunham problemas que eram impossíveis para mim, tais como: 'eu tenho três galinhas, uma ficou doente e morreu, outra desapareceu; com quantas galinhas eu fico?' Isso me deixava desesperada, porque eu queria saber a razão destes fenômenos. Por que deixaram a galinha morrer? Por que descuidaram da outra para que ela sumisse? Eram exemplos muito sacrificais que me davam. Eu achava as freiras horríveis".

Em 1995, seu arquivo pessoal foi comprado pelo Centro de Documentação Alexandre Eulálio, do Instituto de Estudos de Linguagem (I.E.L.) da Unicamp, que está aberto para pesquisadores do mundo inteiro. Vários textos seus foram traduzidos para o francês, inglês, italiano e alemão.

Hilda Hilst pertence a classe de artistas imortais da nossa literatura contemporânea. Ela desmascara e despe, sem nenhum pudor, nossos mais preciosos sentimentos e ícones com suaves garras ou ríspidas carícias, revelando a nós, nosso verdadeiro rosto.

Najah Zein
Rio de Janeiro, 12/2/2003

 

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