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Quinta-feira, 21/6/2001
Bonjour, tristesse
Adriana Baggio

"O propósito da vida é, claramente, não ser feliz."
Schopenhauer

"Tristeza não tem fim, felicidade sim."
Vinícius de Moraes

Foi uma frase do filósofo Alain de Botton que colocou em palavras uma sensação que sempre tive. Em entrevista a uma revista feminina, o filósofo suíço disse que "a visão dominante hoje é que, para fazer alguém se sentir melhor, você precisa dizer algo otimista. Só que meu caráter é mais melancólico e, quando estou triste, não sou atraído pelos otimistas".

O nosso grande erro é tentar curar tristeza se juntando aos que estão alegres. Nada aumenta mais a amargura que não conseguir ver felicidade naquilo que faz os outros sorrir. Assim como a gripe, a tristeza é um estado que precisa ser vivido e curtido no seu tempo exato, para que possa ser curada. A gripe, como a tristeza, tem um tempo de maturação determinado. Se for interrompido, depois volta com mais força.

Acho que é óbvio, mas, só para reforçar, não estou falando de casos patológicos. Falo da tristeza que a gente sente e depois passa, da tristeza com um motivo específico. Quando a gente está assim, poucas coisas são mais irritantes do que as pessoas que tentam te animar e colocar "pra cima". A tristeza incomoda os outros. Sempre há a cobrança do alto astral, da risada, do espírito de festa. E, por falar em festa, que sensação horrível sentir-se triste quando todo mundo está alegre. Quando é uma data comemorativa e todos esperam que todos estejam alegres. Como aniversários, Natal, Ano Novo. O ruim não é ficar triste, o ruim é o sentimento de culpa. Por que estou triste quando deveria estar alegre?

De pouco tempo para cá aprendi a aceitar a tristeza assim como aceito de bom grado a alegria. Percebi que ela passa, e deixa em seu rastro um sentimento de paz e dignidade. Não sei por quê, mas sei que deixa. Acho que é porque a tristeza exige um recolhimento que sempre relutamos em permitir que aconteça. E o recolhimento é bom para botar a casa em ordem e fortalecer os anticorpos emocionais.

Sem querer fazer uma apologia da tristeza, muitas vezes fico com inveja das figuras tristes e nobres. Normalmente elas só aparecem nos livros e filmes, porque na vida real a tristeza tende a ser mais triste e comum, sem nenhum charme. Essas personagens são embelezadas e dignificadas pela tristeza, como se o sentimento tornasse o ser humano melhor e mais imune. Meus tristes heróis e heroínas parecem mais felizes porque são mais fortes. Já sofreram e choraram, não vão mais perder a cabeça e puxar os cabelos. Se o infortúnio voltar a acontecer, vão sorrir compreensivamente, conformados, e derramarão apenas uma lágrima silenciosa, muito mais comovente que um choro de carpideira.

É por isso que eu simplesmente odeio pessoas muito felizes, que estão sempre de bom humor. Pessoas imunes à tristeza, ou por ignorância, ou por hipocrisia. Tendo a uma reação repulsiva quando recebo e-mails com mensagens estimulantes em PowerPoint, falando sobre a alegria da vida e a felicidade que a gente deve sentir todo dia. Tenho certeza que Deus não liga se um dia ou outro a gente fica triste. Acho que ele até agradece, porque talvez assim as pessoas fiquem um pouco mais suaves e dignas.

* Escolhi o título deste filme de Preminger para dar nome ao texto como uma homenagem a uma das figuras femininas mais lindas que já vi. Não sei quantas mulheres são (ou foram) tão bonitas na sua tristeza quanto Jean Seberg, a egoísta Cecile.

Para ir além

www.saintjean.co.uk


Adriana Baggio
Curitiba, 21/6/2001

 

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