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Quinta-feira, 21/6/2001
Anos Incríveis
Juliano Maesano

O que você acharia se eu cantasse fora do tom? Se levantaria e me deixaria na mão? Essa é minha tradução livre para a música de Lennon e McCartney (na voz e na guitarra de Joe Cocker) que é o tema dessa que eu considero uma das melhores séries de televisão de todos os tempos: Wonder Years (Anos Incríveis).

O que me levou a afirmar isso foi a nova onda de reprises da série no canal Multishow da NET, normalmente num horário difícil, às duas horas da madrugada.

Pra começar, há que se constatar que Wonder Years é uma das únicas séries de qualidade e repercussão já feitas que conseguiram durar muitos anos com o mesmo elenco e, o mais importante, mostrando a passagem do tempo graças a isso. Pra quem nunca viu ou não entendeu nada, a série começa com os atores numa faixa de 12 anos de idade e acaba quando eles atingem a maioridade. E isso é maravilhoso, pois as mudanças, nítidas nos rostos e corpos dos atores, é fenomenal.

Graças a isso, o roteiro sempre se utiliza de "imagens de arquivo", como flashbacks, onde o personagem principal Kevin Arnold (Fred Savage) se recorda de momentos anteriores da série e onde se vê como mudou desde então. Sempre ao lado dele, temos sua família, com o irmão chato e quase insuportável Wayne (Jason Hervey), sua esporádica irmã Karen (Olivia D'Abo) e seu pai e sua mãe, Jack e Norma.

A maioria das situações são criadas em torno de sua escola, com o melhor amigo Paul Pfeiffer (Josh Saviano) e a namorada Winnie Cooper (Danica McKellar). Winnie e Kevin também iniciam seu romance desde muito novinhos e as estórias normalmente giram em torno de seus problemas afetivos.

(Aviso: pelas minhas pesquisas, o boato de que Paul - Josh Saviano - seria o atual Marilyn Manson não é real.)

Aí estão os ingredientes. Uma série meio "neo-realista", feita quase sempre em locações e interiores muito naturais, sem aquela cara de estúdio de outros bons seriados, como os modernos sitcoms Friends, Frasier e Seinfeld. A naturalidade é a palavra-chave. Não existem locações forçadas, com cara de estúdio, atores ou diálogos irreais, roupas estranhas e coisas assim.

O roteiro é magistral, trazendo uma locução em off de Kevin Arnold já adulto, que nunca vamos conhecer, relembrando aqueles seus anos de infância, contando as estórias enquanto vemos o que aconteceu. As sacadas, muito engraçadas, usam muito o seguinte recurso: a locução fala uma coisa e a estória mostra outra. Os argumentos são escolhidos a dedo, alguns com temas sociais e históricos, como Vietnã, Woodstock e a Liberação Feminina, e outros com situações corriqueiras (mas fundamentais), como "O Primeiro Cachorro", "O Acampamento com a Família", "Conseguindo a Habilitação", "O Dia em que Olhei para Outra Menina" etc...

É inevitável que esses assuntos aparentemente comuns toquem o espectador em cheio, no coração. Principalmente os homens que, quando meninos, passaram pelas mesmas situações: Quem não se lembrará da sua "Winnie"? Ou daquela professora bonitona? Ou de como mentiu para os amigos sobre suas aventuras no "campo minado" que eram as meninas?

No início, enquanto Kevin é ainda uma criança, ele quer fazer amigos e está muito mais relacionado com a família, mas lá pelos 16 anos ele já tem seu carro, faz bicos e encontra relações adolescentes comuns, como ter que "fazer moral" para os amigos, se desculpar para Winnie por olhar para outras meninas, e muitas outras situações aparentemente desinteressantes.

Um parêntese tem de ser feito para comentar a magnífica atuação do elenco. Não há um só ator ou figurante fora do lugar, o que nos faz pensar em como a direção e produção da série foi perfeita. Fica claro, ainda mais com crianças e adolescentes no elenco, que o diretor tinha o controle total, em suas mãos, e o domínio completo dos roteiros e personagens. A qualidade das imagens aliada ao clima realista indica que muito cuidado foi tomado na produção, fugindo um pouco do clima normalmente industrial das séries. Crianças, adolescentes e locações externas requerem muito tempo e atenção.

Notem que as séries não seguem sempre o tom da comédia, e muitas vezes trazem uma carga emocional. Outro fato relevante é o de haver uma interação provavelmente melhor com o público norte-americano, pois a série trata do que eles chamam de "americana". Um termo estranho que remete a uma nostalgia do passado do "cidadão comum americano", quando as coisas iam bem, ao estilo de Stand By Me (Fica Comigo), conto de Stephen King e filme de Rob Reiner. Assim é o seriado, onde uma família de classe média (ou média-baixa) americana encara situações do dia-a-dia.

Lá encontramos o que os americanos vivem: fins de semana para acampar e pescar entre homens; o prom e os bailes do colegial; a diferente estrutura escolar e a honestidade e honradez do norte-americano médio (no caso, do pai-de-família). Isso tudo e o resto também possibilitam identificações com o resto do mundo, pois Kevin é um de nós: alguém que vive em Anywhere, USA, ou "Em Qualquer Lugar dos Estados Unidos".

É bom lembrar que por todos esses anos da série (de 1968 a 1974) a trilha musical acompanha a época com grande impacto, pois são encontradas na série as grandes pérolas do rock.

Pra quem entende inglês, fica aqui a frase final de toda a série:

"Growing up happens in a heartbeat. One day you're in diapers, the next day you're gone. But the memories of childhood stay with you for the long haul. I remember a place... a town... a house like a lot of other houses… a yard like a lot of other yards… on a street like a lot of other streets. And the thing is… after all these years, I still look back… with WONDER."

Tradução livre:

"Crescer acontece num piscar de olhos. Um dia você está de fraldas, no outro você já se foi. Mas as lembranças da infância ficam com você a longo prazo. Me lembro de um lugar... uma cidade... uma casa como muitas outras casas... um quintal como muitos outros quintais... numa rua como muitas outras ruas. E o negócio é que... depois de todos esses anos, eu ainda olho pra trás... maravilhado."

Se você achou piegas, é porque nunca viu ou entendeu a série. Ou então sua infância não valeu pra nada.


Juliano Maesano
São Paulo, 21/6/2001

 

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