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Terça-feira, 11/3/2003
600 pesos e 7 centavos
Marcelo Barbão

Um inventor fracassado, carregando uma angústia indecifrável dentro de si, humilhado pelo amante de sua mulher, traído pelo seu melhor inimigo e agarrado à prostituta que é a esposa de seu pior amigo.

É com esta sensação de desencontros com o mundo e consigo mesmo que Roberto Arlt entra no cotidiano de uma série de personagens autodescritivos e conflituosos no seu livro Los Siete Locos. Sim, digo entra, porque os personagens aparecem, não são apresentados, todos eles vagam pela cabeça confusa de Erdosain, o inventor fracassado.

O Astrólogo, o Rufião Melancólico, a Coxa, todos eles influenciam Erdosain sem tocar ou sem perceber a profundidade de seus problemas e de sua angústia. Mesmo assim, conseguem manipulá-lo, assim o anti-herói da história é transformado em antivítima. Em todos os momentos, vemos Erdosain organizar tramas e preparar seu futuro, mas isso é sempre abortado pela ação dos outros personagens. Tanto para o bem como para o mal.

Arlt mostra uma excepcional visão sobre a relação entre homem e destino. Mesmo os que mais baixo caíram ainda mantém uma pureza "angelical". Enquanto que os auto-intitulados "eleitos" não conseguem romper com a velha problemática da superioridade moral. Explico, todos os que se acham defensores de uma causa maior justificam seus meios pelos seus fins. Não importa se estamos falando de direita ou esquerda, de religiosos ou ateus, de libertários ou autoritários. Ou de conspiradores que querem construir uma nova sociedade que misture os ideais de Lênin e de Mussolini, como o Astrólogo e seu bando.

É assim com Erdosain que, apesar de ser um ladrão (que rouba 600 pesos e 7 centavos da firma onde trabalha), planejar um seqüestro e um assassinato, só pode ser visto com um joguete nas mãos de poderes absolutos, muito superiores a ele.

E é difícil não ver o personagem Erdosain como algo bem próximo do alter-ego do próprio Arlt, ele também um inventor frustrado que passou por diversas profissões até chegar ao jornalismo e, assim, à literatura. Nasceu em Buenos Aires no ano de 1900 e morreu na mesma cidade, 42 anos depois, de ataque cardíaco. Sua obra sempre esteve centrada na capital argentina, principalmente retratando anti-heróis e mostrando seres humanos comuns.

No início de sua carreira, uma grande discussão (e divisão) ocorreu na vanguarda bonaerense. Uma divisão tanto política e estética quanto geográfica. O grupo da Florida (rua que corta o micro-centro da cidade) era formado por jovens cultos e europeizados, defensores de uma arte vanguardista e autodenominados herdeiros da tradição literária e da renovação. No outro lado, estava o grupo de Boedo, bairro popular, com seus escritores comprometidos com os problemas do homem e que viam a literatura como uma possibilidade de contribuir para a transformação da sociedade. E no meio dos dois, ficou Arlt, amigo dos primeiros mas ideologicamente mais próximo dos segundos. Além disso, com uma personalidade difícil, pouco interessada em projetos coletivos.

Suas novelas retrataram essa Buenos Aires que ninguém tinha coragem de mostrar, usando elementos autobiográficos. A novela Los Siete Locos teve sua continuação em Los Lanzallamas.

Arlt também escreveu diversas peças que foram encenadas por teatros populares em Buenos Aires, além de várias adaptações de suas obras literárias, entre elas a própria Los Siete Locos com o título de El Humillado em 1932. Durante mais de uma década, Arlt também escreveu uma coluna diária no jornal El Mundo, Aguafuertes Porteñas, que foram lançadas em livro. Durante suas viagens pela Espanha e Marrocos, publicou também Aguafuertes Españolas.

Em 2000, a Iluminuras lançou um só volume com as duas obras: Os Sete Loucos e Os Lança-Chamas. E, o melhor, a edição não está esgotada.

Para ir além
Los siete locos
Roberto Arlt
Editorial Losada
219 páginas

Marcelo Barbão
São Paulo, 11/3/2003

 

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