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Segunda-feira, 11/4/2005
Depoimento
Eduardo Carvalho

Escrever é uma forma de se expressar em silêncio. É um trabalho discreto e solitário que, quando se torna público, pode assumir interpretações e proporções inesperadas. E uma idéia antes embaçada, escondida, acaba se espalhando entre leitores inusitados, quando exposta com lógica e estilo. É uma delícia publicar um texto sem saber exatamente como ele será recebido. As surpresas são normalmente agradáveis. Meu maior impulso para continuar escrevendo, confesso, são alguns depoimentos de leitores anônimos – ou, tudo bem, às vezes conhecidos –, que recebo eventualmente. Sei que esse não é um estímulo sempre confiável. Mas tento peneirar as opiniões que recebo e, quando chego nas mais sensatas, coincidem também de serem as mais simpáticas – e as mais bem escritas. Acho que a peneira funciona. Fico feliz por não escrever no vácuo, expondo e testando idéias publicamente – e recebendo os aplausos ou os tomates que essas idéias merecem.

Escrever é muito difícil. Você precisa transformar um pensamento vago, impreciso, numa impressão limpa, clara, com um texto agradável. Quase ninguém sabe fazer isso direito. E pouca gente consegue interpretar um texto da forma adequada, por mais tecnicamente perfeito que seja. Há muito espaço para confusão. Em vários momentos, escrevi mal ou fui mal interpretado. Ou simplesmente não concordaram comigo. Muitas vezes fui polêmico involuntariamente. E acabei traindo a proposta inicial dos meus textos para o Digestivo, que expliquei na minha apresentação: “É preciso ser tolerante, e saber encontrar, nos cantos do mundo, algo que nos distraia e nos agrade. (...) Vou tentar, prometo, compartilhar com os leitores o que, com o tempo, fui encontrando por esses cantos.” Concentrei meus esforços – especialmente nos últimos artigos – para recuperar esta primeira intenção. Quer dizer, nem precisei me esforçar: só evitei assuntos desagradáveis e, conseqüentemente, o que é agradável apareceu naturalmente em pauta. E passei de temas como televisão e festas da faculdade – aliás, meus textos mais lidos – para assuntos muito mais bacanas, como viagens e literatura. Assim, me sinto muito mais à vontade.

Relendo agora, de trás para frente, minhas sessenta colunas para o Digestivo, reconheço que mudei, ou, espero, evolui. Estes três anos foram um período de transição para mim. Publiquei meus primeiros textos quando estava no meio da faculdade, sem pressões ou compromissos, aproveitando a vida da melhor forma e em sua melhor fase – que tentamos alongar indefinidamente... Li bastante e assisti ao máximo de filmes que consegui. Nunca segui o modelo intelectual-universitário, entre bares e passeatas, o que me economizou um tempão que gastei, em compensação, em esportes e viagens. Entre USP e GV, Cuba e Estados Unidos, Conrad e rodeios, testei combinações arriscadas, que me vacinaram contra tipinhos de todas as categorias. Enquanto muita gente da minha idade se dividia em tribos – de clubbers a executivos –, não me filiei a nenhuma, e acreditei que era possível viver uma vida mais variada, mais completa. Sem contar família, etc., devo essa descoberta à literatura – mesmo que tenha lido tão pouco. Não imagino como viveria se não conhecesse meus dez escritores preferidos. Nem me imagino mais como seria se não escrevesse eventualmente – como tenho feito para o Digestivo.

A estrutura do site – democrática e eficiente – reflete o espírito do seu editor. O Julio é uma espécie de homem completo. Ele tem a educação ideal, de um escritor que estudou engenharia, e combina uma sensibilidade literária finíssima a um raciocínio claro, puro. Quase ninguém escreve tão bem hoje, no Brasil – e ninguém tem um estilo parecido com o do Julio. Seu texto é reconhecível, autêntico. É um caso evidente de como o estilo do texto reflete a personalidade do autor. E o Digestivo acaba sendo uma extensão de sua personalidade. O Julio reuniu uma equipe de colunistas com profissões e opiniões diferentes, e organiza essa turma com o carisma e a firmeza de um CEO competente. Todas as atividades dos bastidores do site – cadastramento de colunas, revisão, edição, patrocínios, etc. – funcionam discretamente, para que os textos apareçam acima de tudo. E eles merecem – tanto os do Julio quanto dos colunistas do Digestivo.

O Digestivo é para mim um espaço para divulgar e dividir impressões sobre livros, filmes, viagens, etc., e expor algumas impressões sobre comportamento. Não tenho aspirações jornalísticas nem literárias. Escapei também da tribo dos artistas. Aprendi a separar o trabalho prático do prazer estético – respeitando ambos, em seus momentos. Eu não viveria uma vida seca, corporativa, mas não conseguiria me dedicar profissionalmente a nada relacionado a arte. Considero esta atividade – a de escrever – como uma espécie de hobby, como outras pessoas gostam de jardinagem ou Fórmula 1. Encontrei no Digestivo o espaço certo para publicar o que quero. O Julio tem me incentivado e me ensinado a escrever o que penso. Talvez um dia eu aprenda.

Eduardo Carvalho
Segunda-feira, 11/4/2005

 

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