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Segunda-feira, 15/11/2004
Anti-Jô Soares
Mário Bortolotto

Tô doente e meu humor não anda bom. Então, insone e rabugento, resolvo assistir ao Programa do Jô. É claro que meu humor não vai melhorar.

Então, vejamos. O Jô Soares entrevistou a Mel Lisboa. Pelo pouco que conheço, gosto dela. É uma garota tranqüila. Participou da montagem de um texto meu no Rio de Janeiro. Uma montagem feita na base da "brodagem", sem grana, etc. Mas, na entrevista, ela não falou muita coisa. A Fernanda D'Umbra escreveu um post no blog dela (com link aqui) falando sobre o fato de as atrizes não serem exatamente levadas a sério em uma entrevistas.

Vendo a entrevista da Mel, tenho de concordar com a Fernanda. O Jô só ficava falando o quanto ela era bonita e querendo saber sobre as fotos da Playboy. Na real: não conheço intimamente a garota e não sei se ela tinha algo realmente importante a dizer, mas o que eu sei é que o entrevistador não ajudou em nada. Assim, fica difícil. Quero ver a hora em que uma atriz tiver a manha de dizer algo do tipo: "OK, você já falou como eu sou bonita. Agora que tal me fazer alguma pergunta decente?"

Mas isso é típico do Jô. Quando vai um roqueiro lá, ele só fica querendo saber das tatuagens do cara ou do corte de cabelo excêntrico. Acho que também tinha que ter a manha de dizer: "Tá legal, Jô. Agora que tal a gente falar um pouco da minha música?" Desse jeito, fica difícil.

Mas voltando à entrevista da Mel, ela disse que suas fotos na Playboy foram inspiradas na interpretação que Ornella Mutti fez da personagem Cass no filme Crônica do Amor Louco, baseado na literatura de Charles Bukowski. Ela não disse exatamente isso. Eu que tô dizendo.

Mas, enfim, não é isso que eu quero falar. O que acontece é que aí o Jô colocou uma cena do filme no telão e demorou pra reconhecer o filme. Sei lá, acho que o ponto dele tava dormindo. O que eu acredito é que, quanto mais o sujeito ganha dinheiro, menos tempo ele vai tendo pra procurar se informar. Porra, o filme é um clássico. Pra mim, é a mesma coisa que passar uma cena de Gene Kelly dançando com o guarda-chuva e o figura não reconhecer de que filme se trata. Desculpa aí.

E aí ele entrevistou o Celso Frateschi (nosso secretário de Cultura). Eu não sou exatamente o mó entusiasta do trabalho que o Celso vem fazendo na Secretaria, mas o Jô podia ter deixado o cara falar um pouco. Parece que o Jô tava perturbado com um patrocínio que ele perdeu, sei lá. E aí chamou o Secretário e ficou monologando. Chato pra caralho.

E não esquecer que antes o Jô fez questão de frisar que a Maria Adelaide Amaral havia dito que o Celso era um excelente ator. Na boa, o Jô devia ir mais ao teatro. O Celso é realmente um excelente ator, mas tá um tempão na estrada. Como é que um sujeito, que se diz tão informado quanto o Jô, nunca viu um trampo do Celso? E olha que o cara ainda faz TV de vez em quando. Será que o Frateschi tem que mandar um video book com o trabalho dele pro Jô?

E aí ele entrevistou um cara que escreveu um livro sobre o Elvis Presley. No final, Mr. Jô fez questão de fazer sua análise sobre o trabalho de ator de Elvis, deixando claro que o Rei do Rock, como ator, era muito ruim. Mas não conseguia falar nenhum nome de filme do Elvis. E, na hora em que passou o trechinho de um no infalível telão, era justamente um filminho bobo (Girls, Girls, Girls), com Elvis dançando com uma garota (me parece que mais numas de mostrar o quanto o apresentador estava certo).

Porra, eu também não acho o Elvis um grande ator. Mas o cara tinha carisma. Com um pouco mais de trabalho, e fazendo os filmes certos, eu acho que o Elvis levava jeito. Os primeiros filmes são bem legais. O Jô não conseguia lembrar de nenhum. Acho que ele só viu a fase do Hawaii, que é tudo a mesma merda. Bem, então lá vai (vou fazer o trabalho que o ponto do Jô devia ter feito): Love Me Tender, Loving You, Jailhouse Rock e o ótimo King Creole, com direção de Michael "Casablanca" Curtiz. Ainda teve o bom Flaming Star, citado pelo escritor no programa do Jô, e logo repudiado pelo apresentador.

E o mais engraçado é ver que essa análise é feita justamente por um cara que apresenta um programa de entrevistas, mas fala mais que o entrevistado. É comediante, mas não tem a menor graça. Alguém ri daquelas piadas que ele conta no começo do programa? Diz que é artista plástico (caramba). Escreve uns livros ruins pra cacete. E aí, Mirisola, quando é que você vai falar da literatura do Jô? Esquece o Chico Buarque um pouco e redireciona sua artilharia. O cara tá merecendo. Daqui a pouco ele também ganha algum prêmio que devia ser seu. Toca trompete, mas, convenhamos, toca mal pra caralho. Só mesmo contratando uma banda pra tocar com ele.

Lembro de uma entrevista com o João Donato e o Jô insistindo que o João tocava um determinado instrumento (não me lembro se era sax). O João, grande músico que é, e em sua simplicidade, retrucou: "Não, Jô. Eu não toco, não. Quer dizer, toco assim, como você toca trompete. Nada sério". O clima de constrangimento foi um show à parte. Não é por nada, não, mas tá difícil assistir ao programa do cara.

Nota do Editor
Mário Bortolotto é dramaturgo. Este texto, reproduzido aqui com sua autorização, foi originalmente publicado em seu blog Atire no Dramaturgo.

Mário Bortolotto
São Paulo, 15/11/2004

 

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