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Segunda-feira, 20/12/2004
Papai Noel cientificamente correto
Sérgio Augusto

Quando você descobriu que Papai Noel não existe?

Gozado, nunca vi uma enquête com esta pergunta, e no entanto ela mexe com uma coisa muito mais importante na vida da maioria das pessoas do que as embutidas em questionários sobre o que fazíamos ou onde estávamos quando soubemos da morte de Getúlio Vargas, John Kennedy e Carmen Miranda ou vimos Pelé marcar o seu milésimo gol e o locutor Alberto Curi anunciar o AI-5 na TV.

Eu, por exemplo, não descobri, me contaram —e foi meu próprio pai, afoito para me conscientizar de que os meus presentes de Natal saíam do bolso dele e não do saco daquele generososo e onipotente velhinho de barbas brancas. Não me lembro quão traumática foi a revelação, mas nem depois de assistir ao filme De Ilusão Também se Vive (a primeira versão de Miracle On 34th Street), um ou dois anos mais tarde, eu voltei a acreditar em Papai Noel.

O que não quer dizer que eu não me interesse por ele. É a figura mais simpática que já conheci (não pessoalmente, é claro) e sempre que pude li o que contam e especulam a seu respeito. Vocês nem imaginam o tanto que já se especulou sobre ele, sobre sua origem e seus miraculosos feitos. Dou de barato que todos vocês saibam que nos países de língua inglesa (e, em breve, em toda Barra da Tijuca) Papai Noel é chamado de Santa Claus, e que Santa Claus é uma corruptela de Saint Nicholas. Mas muitos de vocês talvez ignorem que São Nicolau não nasceu nem foi criado na Lapônia ou em algum ponto do Polo Ártico, mas numa região onde hoje fica a Turquia, em meados do século III. Ou seja, não foi o frio polar mas o sol mediterrâneo que tornou rubicundo o nariz de Papai Noel. Seu corpanzil tem outra causa: Papai Noel sofre de diabetes. Soube disso através de um sujeito chamado Roger Highfield.

Não debochem, que o cara tem pedigree. Highfield é o especialista em ciências do jornal londrino Daily Telegraph. Ele também não acreditava em Papai Noel desde garoto, mas ao estudar sua mitologia, pelo prisma científico, quase voltou a acreditar. Há anos que Highfield se envolve com trivialidades e enigmas natalinos, sempre buscando novas questões e inusitadas angulações para sua divertida coluna. Vocês nunca tiveram curiosidade de saber por que, diabos, Papai Noel prefere entrar pela chaminé? Highfield, já. Tão insólita preferência remonta às origens do mito. Para ajudar um pai sem dotes para suas três filhas, o protótipo de Noel depositou em sua casa, às escondidas, três sacolas de ouro, sendo que a última delas foi jogada pela chaminé. Só isso.

Por que só a última sacola? Ninguém sabe.

Highfield também quis descobrir —e descobriu— por que o pinheiro de Natal tem aquela forma, quem inventou o tradicionalíssimo christmas pudding, como surgiu e evoluiu o hábito de se dar presente no Natal. Insaciável, investigou até sobre a capacidade volante das renas, a termodinâmica do peru natalino, a química do floco de neve, a gravidez de Virgem Maria, reunindo todas essas pesquisas em dois livros, publicados anos atrás: Can Reindeer Fly? (Rena voa?) e The Physics of Christmas (A Física do Natal). Prefiram a edição inglesa à americana, incompleta.

Para ter uma idéia de como o bom velhinho se arruma para dar conta de todas as suas entregas na noite de Natal, Highfield viu-se obrigado a recorrer à mecânica quântica, à nanotecnologia, à engenharia genética e à informática. O cientista britânico Richard Dawkins também se debruçou sobre essa incógnita, no livro Unweaving the Rainbow (Desfiando o arco-íris), e calculou que Papai Noel precisaria voar mais rápido que o som para visitar numa única noite os 850 milhões de lares estimados por Simon Singh, o respeitável autor de O Enigma de Fermat e noelólogo amador. Ultrapassando a barreira do som um porrilhão de vezes em poucas horas, o trenó de Papai Noel produziria nos céus uma barulheira dos diabos, um ribombo apocalíptico. Como as noites natalinas nunca foram perturbadas por ruídos dessa magnitude, Darwin concluiu: “Do ponto de vista científico, não há a menor possibilidade de Papai Noel existir”.

Nem o Super-Homem, nem o Capitão Marvel, nem o Flash, nem o Homem-Borracha, nem o Ted Múltiple, nem os Argonautas, correto?

Segundo Highfield, para cumprir sua agenda sem chamar atenção, Papai Noel e seu trenó precisariam ser teletransportados com a ajuda de algum prodígio quântico digno do dr. Papanatas ou H.G. Wells. Um respeitável matemático, Ian Stewart, da Universidade de Warwick (inglesa, of course), defende a tese de que as renas de Noel são dotadas de uma fenomenal engenhoca no topo de cabeça, que as capacita a voar em velocidade supersônica. Para ele, é preciso ser muito ignorante para crer que a galhadura dos rangíferes (a família de mamíferos ruminantes a que as renas pertencem) funciona apenas como arma de ataque e defesa. Os esgalhos das renas de Papai Noel são, segundo Stewart, “dispositivos aerodinâmicos transônicos”, que em alta velocidade se dobrariam como as asas do Concorde. Elas, porém, voariam com mais rapidez que um Concorde. Sua velocidade, pelos cálculos do professor, seria seis mil vezes superior à do som.

Se a física natalina é uma especialidade britânica, a metafísica de Natal deve ser uma exclusividade francesa. Nessa, contudo, ainda não me meti. Quem sabe, no próximo Natal, já não estarei em condições de interpretar Papai Noel à luz da filosofia.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na extinta revista Bundas, a 21 de dezembro de 1999.

Sérgio Augusto
Rio de Janeiro, 20/12/2004

 

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