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Segunda-feira, 3/7/2006
Gil aos 64 em Londres
Paula Góes


O burburinho na platéia já durava dez minutos, nem sempre atrasos são considerados pecados intoleráveis no país dito zelador da pontualidade. Pouco antes do Gil subir ao palco, eu ouço alguém comentando, em bom inglês, “você acredita que estamos para ver um Ministro da Cultura cantando?”, ao que uma outra voz respondeu “quem é mesmo o nosso Ministro da Cultura?”. Gil aparece neste instante, todo de branco e de guitarra em punho, e antes do primeiro acorde, alguém grita “feliz aniversário!”.

“Oxalá Deus queira, oxalá tomara, haja uma maneira desse meu Brasil melhorar”, Gil entra cantando. Apesar de não ter um repertório novo desde antes de virar o ocupado Ministro da Cultura, enganou-se quem foi ao show esperando apenas canções que o público sabia de cor. Aliás, em vários momentos, a platéia não soube acompanhar os pedidos de “canta comigo” de Gil. Só mesmo a fácil e divertida “Céu da boca”, mais conhecida como “Chupa toda”, clássico do imaginário carnavalesco soteropolitano que ficou famosa no Brasil inteiro depois da gravação em parceria com Ivete Sangalo, teve acompanhamento em coro mais animado.

O show contou com músicas do CD Eletracústico, Kaya N'Gan Daya e clássicos dos Beatles, incluindo uma versão em bossa nova de “Imagine” e um frevo para “I wanna hold your hand”. Estavam lá as velhas conhecidas da carreira dele, como “Andar com fé”, “Eu vim da Bahia”, “Vamos fugir”, “Palco” e “Toda menina baiana”, mas também houve espaço para homenagens a Vinícius e Baden Powell, com “Formosa” e Herbert Viana, com "Alagados".

A única grande novidade – claro, não podemos esquecer que estávamos na véspera do jogo do Brasil contra Gana nas quartas-de-final da Copa do Mundo, Gil está de passagem pela Europa para divulgação da Copa da Cultura – foi o "Belé de Berlin", mais nova modinha composta por Gil especialmente para animar a torcida brasileira durante o Mundial.

Show embalado em Londres é sinônimo de problema para a equipe de segurança, que tentava arduamente convencer as pessoas a dançar “comportadamente”, pelo menos sem deixar os seus assentos. Entre cariocas, baianos, gregos e troianos, estavam duas mil pessoas, que esgotaram os ingressos há mais de dois meses. “Manter todo mundo sentadinho em show brasileiro? Fala sério”, disse minha vizinha de cadeira, enquanto se levantava para se juntar a pequena multidão de desobedientes dançando nos corredores mais afastados da equipe de apoio.


Quando eu chegar aos 64
A noite tinha um quê a mais de especial. Na volta para o bis, Gil começa a divagar sobre o tempo, em inglês. “Como é que se fala Santo Agostinho em inglês? Eu costumava saber, é o tempo... qual a significância do tempo? Tempo é algo que não pode ser explicado. Hoje eu faço 64”. Gil foi ovacionado nesse festejo, que aconteceu no mesmo palco onde a Tropicália foi celebrada em Londres. Coincidentemente, Paul McCartney tinha também acabado de chegar à marca dos 64 anos de idade. O “parabéns pra você” foi cantado em ritmo de Beatles, com “When I'm sixty-four”, famosa canção na qual McCartney se perguntava como seria sua vida quando ele chegasse a essa idade.

Gil não é nenhum calouro em Londres. Foi na capital inglesa que ele se exilou em 1969, junto com Caetano Veloso, depois de ter sido submetido a um regime de confinamento no Brasil. Foi justamente a parceria com Caetano, que resultou no movimento Tropicália, uma revolução na música popular brasileira, a causa as discordâncias políticas que o levaram ao exílio em Londres. E é o Tropicalismo que o traz de volta, desta vez para ser ovacionado pelo público.

Também velho conhecido dos palcos londrinos, pelo menos uma vez por ano Gil faz show aqui, mesmo dividindo a música com seus encargos de Ministro da Cultura. Essa apresentação faz parte do festival "Tropicália", organizado pelo Centro Cultural Barbican em comemoração aos 40 anos do movimento cultural que revolucionou a música popular brasileira durante a Ditadura Militar. Pelo mesmo palco passaram Caetano Veloso, Gal Costa, Tom Zé, Mutantes (com participação de Zélia Duncan). Foram três meses de exposições, mostras de cinema e shows, quase sempre lotados. E olha que o aniversário da Tropicália só acontece mesmo no ano que vem.

Paula Góes
Londres, 3/7/2006

 

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