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Segunda-feira, 12/5/2008
As lições de Jack Bauer
Ricardo Guimarães

Demorei para descobrir o Jack Bauer da série 24 Horas. Em compensação, aproveitei os últimos 20 dias de recuperação da cirurgia no joelho e já vi cinco temporadas, graças à filha Leca, que me iniciou e me mantém no vício. 24 Horas é muito bom para entender as dinâmicas do mundo corporativo e aprender a identificar quem é quem. É tão legal que até estou planejando um programa de quatro noites de terça-feira na Thymus com o tema: "Jack Bauer: liderança, poder e autoridade no mundo corporativo".

A série é genial porque a trama banal cabe na vida de qualquer empresa: uma corporação (CTU, agência anti-terrorista dos EUA) tem um cliente (governo dos EUA) que precisa proteger seu mercado (povo dos EUA) de ameaças de seus concorrentes (ações terroristas). Jack Bauer, agente de campo da CTU, é convocado sempre que a corporação não consegue resolver o problema por meio dos trâmites corporativos; isto é, por meio dos manuais e da hierarquia corporativa.

Por que não conseguem resolver? Porque os executivos, divididos entre suas ambições de carreira, suas relações afetivas e a defesa do país, não conseguem ser eficientes para atingir seus objetivos. Jack Bauer, por sua vez, não se divide entre seus interesses, emoções e consciência, tira uma energia criativa extraordinária da tensão desses conflitos, quebra as regras, desrespeita o manual corporativo e resolve o problema. Isto é, enquanto os outros, embora tenham consciência, emoção e interesses, agem "by the book", Jack (estou íntimo dele) age "by the soul". Agir em nome da alma, que é onde reside a tensão criativa da integração, é o que transforma Jack em herói.

Em termos práticos, para resolver os problemas que caem em sua mão, Jack precisa ser líder (ter uma causa e uma visão em que ele e seus companheiros acreditam), precisa ter autoridade (dominar o conhecimento do negócio, do mercado, do concorrente) e precisa ter poder (precisa de cargo e responsabilidade formalmente atribuídos a ele).

Liderança e autoridade Jack tem por conta própria e de sobra; e é por essa razão que ele acaba ganhando poder; seja por delegação da própria estrutura da CTU, que reconhece nele as condições necessárias para desarmar o plot terrorista, seja por decisão do presidente dos EUA, David Palmer, que tem confiança incondicional no único cara que ele conhece com uma estrutura de valores e um comportamento 100% confiável. Claro, David Palmer também age "by the soul". Daí a conexão "soul to soul", que se torna mais poderosa e explosiva quanto mais complexa e delicada é a trama. É daí que emana o verdadeiro poder.

Quem não viu a série pode imaginar, por essa descrição, que Jack é um cara bem-comportado, bem-resolvido e bem-sucedido. Errado. E, na minha humilde opinião, é aí que reside o sucesso da série. Ele é ambíguo, atormentado, polêmico e sempre acaba punido por ter transgredido as regras corporativas. Sua única recompensa é continuar sendo herói e garantir que vai protagonizar a próxima temporada da série, chamado sempre que o comportamento corporativo "by the book" dos seus colegas da CTU encontra seu limite de eficiência.

Essa é a grande trama da série, que, na sua natureza, não é diferente de todas as histórias dos outros personagens, mocinhos ou bandidos: confiança. Em quem você confia e por quê? Como escolhemos as pessoas para quem podemos dar as costas e confiar uma missão estratégica e decisiva para o nosso futuro?

Só com visão e causa, sem competência e poder, vai-se à luta, mas sem eficiência. Só com competência, sem visão e poder, vai-se rapidamente para lugar nenhum porque não há direção. Só com poder, sem visão e competência, não se sai do lugar porque falta direção e eficiência. Sem stress, sabemos que Jack Bauer é ficção e, como mito contemporâneo, é apenas um guia para nortear/inspirar nossas escolhas, a começar pela missão fundamental a que nos propomos: integrar ou desintegrar.

É um desafio. Soul size. Pede candidatos a herói. Pena que não tem MBA disso. Tem? Se souber de algum, me avise.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na revista Trip. Ricardo Guimarães é presidente da Thymus Branding.

Ricardo Guimarães
São Paulo, 12/5/2008

 

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