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Segunda-feira, 29/9/2008
Machado e os contemporâneos
Ronaldo Correia de Brito

Muitos escreveram sobre Machado de Assis no aniversário de cem anos de sua morte. São inumeráveis os ensaios críticos, as teses de mestrado e doutorado, os estudos de personagens. Onde é possível iluminar um texto com uma nova luz, esmiuçar uma frase que passara despercebida, aproximar a lente de um enigma mal decifrado surgem estudiosos dispostos a fazê-lo. Nada escapa ao interesse deles: nem a poesia de qualidade pouco reconhecida nem o teatro pouco encenado. Quem investiga Machado alega que mesmo a produção "b" ajuda na compreensão do mestre e de sua obra da maturidade.

No rastro da comemoração, vários autores reescreveram textos de Machado, publicados em três livros. Essa polissemia demonstra a força e a atualidade da obra machadiana, seu poder de multiplicar-se em novos livros e também em filmes, especiais de televisão e revistas em quadrinhos. Machado está mais vivo do que nunca; virou unanimidade brasileira, um cânone internacional. Mas nem sempre foi assim.

Celebrado enquanto vivo, ele foi execrado pelos modernistas de 22, que renegaram quase tudo o que fora produzido nas artes nacionais, antes deles. Considerado artificioso, sem vida e fora da realidade cotidiana pelos "modernos", demorou muito para que esses conceitos fossem revistos, o que aconteceria a partir da década de 70, com alguns ensaios que apontam para a dimensão histórica da obra do Mestre.

Dos estudos literários passaram às especulações e já foram pela vida íntima do autor, suas possíveis façanhas amorosas, até mesmo com a esposa do amigo romancista José de Alencar. Alguns jornais insistiram nessa cor "marrom" em suas efemérides. Nenhum investigou a fundo um quesito fundamental: descobrir quem lê Machado de Assis nos tempos atuais, por deleite e escolha, fora do ofício da crítica e da academia. Num país em que existem um milhão e trezentos mil analfabetos freqüentando a escola, a pergunta é bem pertinente.

Machado de Assis viveu num tempo em que a literatura tinha muito mais prestígio e alcance, não competia com outros meios de expressão artística como o cinema, a televisão e os grandes shows musicais. Não refiro o teatro e os concertos, sempre relacionados ao mundo literário da época. O modo de vida e os costumes favoreciam o ato solitário da leitura, num Brasil em que mais de oitenta por cento das pessoas habitavam o campo. As nossas cidades atuais convidam à dispersão e às atividades em grupo, sobretudo entre os jovens, que não consideram a leitura um prazer, lendo na maioria das vezes por obrigação ou tarefa de escola.

Para quem celebramos Machado de Assis, um escritor que permanece atual a ponto de se atribuir a ele a criação do moderno romance brasileiro? Para velhos ou novos leitores? Seria frustrante constatar que os fogos para o nosso Gênio resultam do labor acadêmico e que os leitores comuns, aqueles celebrados pela escritora inglesa Virgínia Woolf, passam ao largo da obra machadiana. Muitos são até capazes de citá-lo de tanto ouvirem falar em Bentinho e Capitu, Quincas Borba e Brás Cubas, mas não vão além da superficialidade.

Supor que Machado não é lido tanto quanto merece ou desejamos põe em cheque o destino da literatura contemporânea brasileira com suas centenas de novos autores. A força e a permanência de Machado também deve ser medida nos autores que surgiram após ele e que, como ele, também experimentam técnicas de escrita e recursos de linguagem em romances, contos, novelas, consolidando uma literatura nacional de valor universal, que busca leitores dentro e fora do Brasil. Nós precisamos não apenas de um autor canônico de quem possamos nos orgulhar com ufanismo, do jeito que nos orgulhamos de um jogador de futebol ou de um campeão de Fórmula 1. Precisamos ler e conhecer muitos outros talentos.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no Terra Magazine, em outubro de 2008. Leia também Especial "Machado de Assis".

Ronaldo Correia de Brito
Recife, 29/9/2008

 

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