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Segunda-feira, 6/10/2008
Dos tipos de penetra
Bruno Medina

Sejam quais forem o propósito ou a ocasião, a definição do que uma festa precisa ter para ser considerada bem-sucedida me parece não fugir a uma convenção unânime. Da mesma forma que ambiente confortável, convidados interessantes e fartura no que é servido sinalizam o prenúncio de momentos agradáveis, costumam, também, atrair um elemento praticamente indissociável: o penetra.

Pela minha experiência, a melhor forma de lidar com eles seria considerá-los uma prova cabal de que sua festa decolou. Digo eles porque são alguns os tipos identificáveis. Comecemos pelo penetra profissional, ou seja, aquele que tem por hábito e/ou esporte invadir as reuniões alheias. Este indivíduo possui um aguçado radar, desenvolvido para informá-lo com bastante antecedência sobre a oferta de eventos disponíveis. Ele sempre se apresenta preparado para ser invisível, se confundir com os demais e, devido a esta habilidade, quase nunca é flagrado no ato.

Há também o tipo cara-de-pau. Ele vem com a roupa errada, fala alto e assim que chega já procura logo o dono da festa. Sua estratégia é fazer de tudo para ser notado, a ponto de sua possível expulsão ser descartada, apostando no constrangimento que ela causaria. Caso consiga permanecer até o fim da festa, não duvide que ele seja capaz de sair bêbado e com os bolsos cheios de canapés.

Existe ainda um terceiro tipo, o penetra circunstancial, mais comum e menos nocivo. Esta categoria abrange todos aqueles que, por alguma conjuntura do destino, desempenham o papel de penetra em caráter extraordinário. Creio que a maioria de nós já esteve pelo menos uma vez nesta condição, puxe pela memória.

Faz uns dez anos estava num bar em Botafogo acompanhado por um casal de amigos quando avistamos, numa outra mesa, um conhecido em comum. Conversa vai, conversa vem, o cara nos contou que estava fazendo hora antes de seguir para uma festinha incrível de aniversário que aconteceria ali perto. Para resumir bem a história, fomos convencidos por ele a ir também, um pouco mais tarde, afinal, nesta delicada condição, o bom senso sugere chegar ao lugar já cheio.

Na portaria do prédio, o primeiro obstáculo: seria necessário se anunciar? Em nome de quem, se ninguém nos conhecia? Por sorte o porteiro estava quase dormindo e nada nos perguntou. Subimos e encontramos a porta já aberta, entramos. O cenário era um apartamento de dois quartos onde havia um grupo de umas vinte pessoas no qual não se incluía o cara que nos convidou. Ele conseguiu a rara façanha (seria esta uma quarta classificação?) de convidar penetras para uma festa e não aparecer!

Óbvio que num ambiente de pequenas proporções como aquele seria impossível passarmos despercebidos. Todos os presentes nos olhavam e comentavam com quem estivesse do lado algo como "quem são esses aí?". A esta altura havia duas opções: dar meia-volta e reconhecer nossa humilhante tentativa de invadir aquela festa ― quem sabe até pedindo desculpas para o aniversariante ―, ou relaxar, pegar uma cerveja e puxar conversa. Dito e feito.

A verdade é que entrar na cozinha para pegar bebidas apenas sublinhava o absurdo que representava continuarmos naquela festa. Escorados pela parede, segurando a cerveja sem tomar, parecíamos três suspeitos perfilados naquele paredão em que as vítimas fazem o reconhecimento de criminosos. Em nossa frente uma pista de dança improvisada, e muito mais natural seria se dançássemos. Assim fizemos. Dançando conseguimos rir das circunstâncias e nos descontrairmos um pouco, pelo menos até bater uma culpa por estarmos nos divertindo demais, algo que, aos olhos dos convidados, nós definitivamente não merecíamos.

Acho que depois disso desistimos. O jeito foi baixar a cabeça e sair do mesmo jeito que entramos e permanecemos durante todo o tempo, sem falar com ninguém. A vivência narrada me manteve muitos anos afastado da condição de penetra, exceto por um final de noite em Londres, quando me envolvi sem saber na tentativa de entrar num bar no West End exclusivo para atores associados. Me vi obrigado a assinar um nome qualquer na lista de presença, dizer que havia esquecido minha carteirinha de sócio e o pior: me passar por ator! Neste dia achei que seria preso ou deportado, no entanto, felizmente, tudo deu certo. Me ocorreu agora a possibilidade de uma quinta categoria de penetra. A dos que, assim como eu e Peter Sellers no clássico O convidado trapalhão, se tornam penetras sem se dar conta disso.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Publicado originalmente no Instante Posterior, blog de Bruno Medina hospedado no portal G1.

Bruno Medina
Rio de Janeiro, 6/10/2008

 

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