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Segunda-feira, 23/11/2009
Vida ao vivo
Arnaldo Branco

Histórias (inventadas) da televisão

Todos sabem que reality shows como Big Brother Brasil e A Fazenda fazem muito sucesso, mas poucos devem lembrar que esse formato foi testado bem antes da virada do século ― e foi um tremendo fracasso.

O programa Gente como a gente (Globo, 1981) tirou o nome do filme do Robert Redford que ganhou o Oscar daquele ano, e reunia pessoas em uma casa numa competição para ganhar um valor "x" corrigido diariamente pelos números da flutuante inflação daqueles dias. Mas era bem diferente do tipo de programa que as TVs de hoje exibem.

Para começar, os concorrentes tinham profissões normais, como advogado ou médico ― não havia nenhum decorador de interiores de casa de cachorro ou personal DJs de motel como nas edições do Big Brother. As academias de ginástica ainda não eram o investimento mais sólido do mercado e o metrossexualismo não estava na moda, portanto os participantes do sexo masculino não se moviam tensionando todos os músculos e as mulheres não inventavam pretextos para se curvar até o chão ou andar de quatro ― uma das principais explicações para os baixos índices de audiência.

É claro que rolavam brigas entre os candidatos, graças às dificuldades naturais do convívio humano, mas como ainda havia alguma inocência em relação à melhor forma de competir, ninguém procurava a câmera para aumentar o efeito dramático da cena ou falava frases decoradas de livros de autoajuda no meio da discussão. O pessoal da edição tinha que ralar para encontrar cenas interessantes de baixaria.

Além disso, o sucateamento do ensino público ainda não tinha atingido o máximo de seu efeito devastador, o que levava os moradores da casa a travar conversas articuladas sobre vários temas, notoriamente um desastre em termos de ibope. Ainda levaria algum tempo para que a comunicação entre os seres chegasse ao nível de síntese de hoje, quando um "u-hu" basta para comentar a situação política nacional e fazer o assunto voltar para a vida pessoal dos concorrentes.

E, claro, havia a dificuldade de se completar uma ligação com o sistema de telefonia da época. Votar para tirar alguém da casa era quase tão difícil quanto votar para qualquer cargo público naqueles últimos anos da ditadura. O vencedor levou 26.054.698.783,85 cruzeiros, o equivalente a cinco mil dólares na época. Era a crise.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na revista Monet, edição de outubro de 2009. Arnaldo Branco mantém o blog Mau humor.

Arnaldo Branco
Rio de Janeiro, 23/11/2009

 

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