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Segunda-feira, 14/6/2010
Marina candidata
Milton Hatoum

A candidatura da senadora Marina Silva para a Presidência da República em 2010 foi recebida com entusiasmo por ambientalistas e por um setor não desprezível da classe média. Salvo engano, ela é a primeira candidata do Acre à Presidência.

Isso, por si só, é surpreendente. Mineiros, gaúchos, nordestinos, paulistas e cariocas já exerceram o cargo de primeiro mandatário do país. Que uma humilde acreana seja candidata a esse posto máximo, é algo que não pode ser minimizado, muito menos desprezado.

O Acre foi um território boliviano até 1903, quando foi conquistado por seringueiros nordestinos, esses "caboclos titânicos que ocuparam e povoaram o deserto", segundo Euclides da Cunha.

Da seringueira da Amazônia foi extraída a borracha, que, entre 1880 e 1915, alimentou vários setores da indústria europeia e norte-americana. O trabalho nos seringais era um inferno. O próprio Euclides, que viajou pela Amazônia em 1905, escreveu uma frase lapidar sobre o seringueiro: "é um homem que trabalha para escravizar-se".

Marina Silva nasceu no interior do Acre, conheceu o trabalho árduo nos seringais, "a mais criminosa organização de trabalho", para usar as palavras de Euclides, cujo livro póstumo, À margem da história (1909), reúne seus ensaios amazônicos.

À semelhança de Lula, Marina é uma brasileira que veio do mundo dos desvalidos. Mas, ao contrário do atual presidente, ela frequentou uma universidade, diplomou-se, e não migrou para uma metrópole do sudeste. Permaneceu no Acre, onde militou numa Pastoral da Terra e fez uma notável carreira política como militante do PT. Não menos aguerrida é sua luta pela preservação do meio ambiente. Ou melhor, pelo uso dos recursos da natureza em equilíbrio e harmonia com o sistema produtivo.

O desenvolvimento sustentável é um desafio à imensa maioria dos países, e não apenas os da periferia. Basta lembrar que George W. Bush, quando presidente dos Estados Unidos, ignorou, com a arrogância que lhe é peculiar, o Tratado de Kioto. O desenvolvimento a qualquer custo pode ser ― e em vários aspectos já é ― catastrófico para o futuro da humanidade.

Descontente com a política ambiental do governo Lula, a senadora Marina Silva filiou-se ao Partido Verde. Sua candidatura à Presidência certamente ofuscará a dos candidatos de outros partidos pequenos, a maioria totalmente inexpressivos. Mas ela deverá enfrentar as contradições, incoerências e até mesmo aberrações de seu novo partido, que fez alianças com o governo do Mato Grosso, cuja política ambiental é, no mínimo, desastrosa.

Falta ao Partido Verde um programa detalhado e claro sobre as grandes questões nacionais. Além da devastação da floresta e da poluição dos rios, há outros problemas gravíssimos na Amazônia: a pobreza, a miséria, o desemprego e a ausência de infraestrutura nas capitais da região.

Além disso, o PV é frágil e esgarçado. Não tem densidade eleitoral nem representatividade nos estados e municípios. Talvez não seja possível reestruturar o partido e estabelecer uma relação orgânica entre um projeto de governo e a sociedade. Essa relação será difícil de ser construída em pouco tempo.

Mesmo se Marina Silva for eleita, seu primeiro grande desafio será a governabilidade. Como o PV vai obter uma maioria no congresso nacional? Com minoria no congresso, é impossível governar. É nesse momento que a chantagem e a barganha por cargos entram escancaradamente em cena e minam as boas intenções de qualquer Presidente da República.

Ainda assim, a candidatura da senadora do Acre é bem-vinda, pois dá substância ao debate eleitoral, além de ameaçar ou, quem sabe, desarmar a polarização entre tucanos e petistas. No entanto, penso que o mais urgente para o país é uma mudança radical do nosso sistema político. Entre outras coisas, essa reforma profunda deveria extinguir a imunidade parlamentar, que rima muito bem com a impunidade vergonhosa de deputados e senadores de todos os partidos. Mas são eles que legislam conforme a dança e as cores da festa. Verde, vermelha, azul ou amarela, pouco importam as cores. O que interessa é a festa. Ou a farra, para ser mais exato.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no Terra Magazine em setembro de 2009. Para esta reprodução foram feitos pequenos ajustes temporais. Leia também "Encontro com Marina Silva".

Milton Hatoum
São Paulo, 14/6/2010

 

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