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Segunda-feira, 27/9/2010
Passado e futuro da comunicação
Charles Cadé


LIANA TIMM© (http://timm.art.br/)

Tenho percebido em diversas conversas e textos (blogs, livros etc.) uma tendência a polarizar a discussão sobre os novos caminhos da informação. Ademais, cada um busca defender o seu quinhão: jornalistas tradicionais protegendo os modelos usuais e vendo com grande ressalva novas propostas. Já os novos comunicadores pregam a extinção dos dinossauros e afirmam que uma nova era chegou. E você muitas vezes é instado a escolher o seu lado e partir para a guerra.

Ou a grande rede oferece caminhos majoritariamente positivos ou cria possibilidades nefastas, que destroem as "qualidades do mundo atual". Como prega o budismo, nada é completamente bom ou ruim.

Estamos numa fase de transição, de tatear esses novos meios, momento propício para liberar a imaginação, já que o conceito de "certo ou errado" ainda não se faz presente. Até porque mesmo do que se considera erro surge algo novo. O "mago" do cinema, George Méliès, estava utilizando fotogramas com defeito, com quantidade de quadros menor que a "normal". Dessa imperfeição, descobriu como fazer desaparecer pessoas numa determinada cena.

Todavia, não será com conceitos pré-concebidos que criaremos algo realmente interessante. Do contrário, poderemos deixar de identificar o que pode ser passível de crítica na produção atual de informação.

Pior: em muitos casos, trava-se um antagonismo entre o passado (ruim, feio e boboca, uma terra de oportunidades perdidas e de opressão) e o futuro (lindo e generoso, o lugar perfeito que sempre deveríamos ter habitado). Acredito que o ideal seria uma mescla de ideias, simbiose de meios e teste de novas propostas.

A internet é uma nova tecnologia para o velho ser humano. As mesmas pessoas que mantêm uma sociedade imperfeita criariam uma Shangri-La no ciberespaço?

Henry Jenkins, no livro Cultura da convergência, defende que a convergência não acontece por meio dos aparelhos, mas "dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros". No livro A galáxia da internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade, Manuel Castells afirma que o hipertexto está dentro de nós.

Por que não mudar como encaramos essa fase de mudanças dos meios de comunicação? Evolução, em vez de "morte" do jornalismo. Substituir modelos anteriores? Por que não falar em novas propostas, que podem até ser complementares?

Nesse novo cenário, ideias podem ressurgir. Para Michel Maffesoli, autor de O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa, há um neotribalismo em que a sociabilidade ocorre em microgrupos que partilham os mesmos interesses.

Peter Burke, autor do livro Uma história social do conhecimento, escreveu que as formas de sociabilidade sempre tiveram influência sobre a distribuição e até mesmo sobre a produção do conhecimento. "Esse conjunto de termos sugere uma consciência crescente, em certos circuitos, da necessidade de buscas para que o conhecimento fosse sistemático, profissional, útil e cooperativo." Parece atual? Pois Burke fala do século XVIII. Sobre o mesmo período, ele escreveu que foi uma "época importante para associações voluntárias de diversas espécies, muitas delas devotas à troca de informações e ideias, muitas vezes a serviço da reforma". Novamente soa familiar?

Já escolheu seu lado da guerra? Antes de você ver uma dicotomia entre novos e velhos produtores de informação, propostas inovadoras contra o status quo do sistema atual, deixo mais um trecho do livro de Burke:

"Em termos gerais, parece que para o indivíduo marginal é mais fácil produzir novas ideias brilhantes. Por outro lado, para pôr essas ideias em prática é preciso fundar instituições. [...] Mas é virtualmente inevitável que as instituições mais cedo ou mais tarde se cristalizem e se tornem obstáculos para inovações adicionais. [...] Assim, a história social do conhecimento, como a história social da religião, é a história do deslocamento de seitas espontâneas para Igrejas estabelecidas, deslocamento muitas vezes repetido. É uma história de interação entre outsiders e establishments, entre amadores e profissionais, empresários e assalariados intelectuais. [...] O leitor está provavelmente tentado a alinhar-se aos inovadores contra os suportes da tradição, mas é bem possível que na já longa história do conhecimento os dois grupos tenham desempenhado papéis igualmente importantes".

Nota do Editor
Charles Cadé, jornalista e assessor de comunicação, mantém o blog C2, no qual o texto acima foi originalmente publicado.

Charles Cadé
São Paulo, 27/9/2010

 

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