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Segunda-feira, 6/12/2010
As letras de música de hoje
André Forastieri

Foi uma temporada ouvindo velhos CDs de samba. Foi aquela coleção de CDs do Chico Buarque que está nas bancas e a repercussão do show do Paul McCartney. Dois criadores de melodias inesquecíveis, sim, mas não estavam sozinhas. As letras de Chico, como as dos Beatles, marcaram suas gerações e sobrevivem ao tempo.

Vale pesquisa para ver se as letras do rock internacional hoje são piores ou melhores que as de antigamente. No Brasil, não tem polêmica: nossa música popular atual é dominada por rimas pobres, imagens pobres, ideias pobres. Por que as letras das músicas brasileiras de hoje são tão inferiores às de outros tempos?

Não se trata de nostalgia, mas de ter ouvido para ouvir ou olho para ler. Em caso de dúvida, sugiro visita ao site Vagalume, maior repositório de letras da internet. É de assustar. No pagode, no sertanejo, no forró, na MPB, no rock indie mais metido a besta... as letras são horríveis.

Chico, como McCartney, não começou pronto. "A Banda" não é "Roda Viva", certo, mas a ambição estava lá. E sempre teve música chata e letra idiota, sim, mas até um passado recente dava para encontrar em todos os gêneros letras bem boladas, divertidas, bonitas.

Claro que ninguém vai a um show de Ivete Sangalo para ouvir letras inteligentes. Vai para pular, dançar, namorar. Mas Ivete ― ou Claudia Leitte, ou Luan Santana, ou Jorge e Mateus, ou Charlie Brown Jr. ― precisam de letras tão toscas e infantilizadas? Precisa sempre rimar "você" com "te querer" e "sonhar" com "te amar"?

Cresci com cantoras que não tinham nada a dizer. Por isso procuravam compositores com algo interessante a dizer e uma maneira musicalmente interessante de dizê-lo. Que seria das carreiras de Gal Costa ou Clara Nunes ou Elis Regina se tivessem se limitado a lê-lê-lê, ilariê, a massa, vamo pulá? Não tem um Aldir Blanc para ajudar nossas divas a cantar em português de gente e dizer alguma coisa?

É provável que em algum recanto deste país se esconda um letrista de primeira ou aquela banda de rock que eu tenho que conhecer, que é ótima e não sei o quê. Não se trata disso. O assunto aqui é música popular, música que faz sucesso. Nos antigamentes, tivemos canções que tinham letras simples, mas bem sacadas, bem-humoradas.

"Pirata da perna de pau", "Samba do Arnesto", "Asa Branca"... ou, para pegar minha temporada de adolescente, "Romaria" ou "Pro dia nascer feliz". Nenhuma obra-prima da literatura, mas dez mil pontos acima de qualquer coisa que você ouviu no rádio em 2010.

Will.I.Am, líder dos Black Eyed Peas, defende uma tese ousada sobre comunicação no mundo moderno. Diz que seu ideal é chegar a canções de uma nota só, e letras compostas exclusivamente de um refrão. Como a gente vive bombardeado de informação e estímulos, diz ele, a única maneira de atravessar todo este ruído e impactar as pessoas é sendo super simples.

Pode ser uma explicação. Mas na gringa, mesmo no alto da Billboard, você encontra letras com alguma sofisticação ― "Love the way you lie", por exemplo. É chata que dói, e os guinchos de Rihanna doem nos tímpanos, mas Eminem tem ambição. Quer fazer muito sucesso e dizer alguma coisa. Não é demais.

Estou ranzinzando? Ficarei feliz de receber exemplos de boas letras nacionais de 2010. Mas de orelhada, minha sensação é: pioramos.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no blog de André Forastieri, no portal R7.com. Leia também "Por onde anda a MPB atualmente?".

André Forastieri
São Paulo, 6/12/2010

 

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