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Segunda-feira, 26/1/2004
2003: No fio da navalha
Ana Maria Bahiana

É oficial: 2003 foi um ano muito ruim.

Mas para quem?

Esta é a pergunta de… eu ia dizer de um milhão de dólares mas, inspirada pelos recentes acontecimentos da novela Celebridade, mudarei para 800 mil reais.

Baseio o raciocínio em números recém-divulgados que mostram substancial encolhimento dos dois pilares da indústria cultural - cinema e música - no maior mercado do mundo, o americano.

Cinema, primeiro: segundo a Variety - que por sua vez utiliza as tabelas da empresa de consultoria Exhbitor Relations - a venda de ingressos caiu perto de 5% nos Estados Unidos. O pior período foi de janeiro a maio de 2003, quando o consumo de cinema despencou 11%.

Os porques já estão tirando o sono de exibidores e marketeiros - uma primeira opinião expressada pela Variety é que os filmes desse ano, especialmente os do primeiro semestre, "não empolgaram" as platéias o suficiente para gerar "boa divulgação de boca".

O que me parece um modo gentil de dizer que foram chatos pra caramba.

Existe tambem a questão da super-saturação: com 26 mil salas de exibição em seu território, os EUA têm mais canais de escoamento do que produto satisfatório, criando uma espécie de super-exposição instantânea tão anestesiante quanto o vazio e a falta de opções.

Melhor ficar em casa, esperar pelo DVD, surfar na Internet.

E baixar uns arquivos: segundo a revista Music Connection, as vendas de CDs, nos EUA, caíram 11% em 2003 - isso depois de baixarem 37% em 2001 e 2002. A Music Connection (aliás, uma boa publicação na linha trade, capaz de reflexões que às vezes escapam ao segmento) não tem muitas dúvidas: "O próprio CD já foi, a esta altura, marcado de morte. Em poucos anos, será possível guardar todas as canções já gravadas em um único computador doméstico".

Combinados, estes dois elementos pintam com clareza um quadro de total e radical - desde a raiz - transformação nos hábitos de consumo do maior produtor de entretenimento de massa do mundo. O começo de um novo paradigma de como entretenimento e cultura de massa são consumidos - e, portanto, são produzidos e distribuídos.

E isto nos afeta, é claro. Como consumidores, primeiro: o simples volume maciço da produção americana de entretenimento é a viga mestra do seu rolo compressor sobre os mercados estrangeiros. Se essa produção diminui, em vista destas mudanças radicais do mercado local (um exemplo: a média de contratações por uma grande gravadora americana era de 50 novos artistas em 2002; em 2003 caiu para 30), isto deixaria, automaticamente, um espaço maior para produto local, nos mercados ao redor do mundo? Ou, pelo contrário, levaria as grandes empresas a um frenesi de ocupação das praças vistas como disponíveis, num esforço para escoar produto que seu mercado interno não tem condições ou vontade de absorver?

Como jornalistas, isto tem enorme impacto sobre o modo como cobriremos essas áreas. Tudo está em fluxo acelerado - pontos de vista fixos, premissas que pareciam perfeitas 18 meses atrás podem não se aplicar de modo algum ao próximo trimestre.

Conseguiremos ser rápidos e flexíveis o bastante para acompanhar esta dança?

Eu já disse que não acredito em diabo?

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pela autora. Originalmente publicado no portal Comunique-se, o qual autorizou a repodução no Digestivo Cultural.

Ana Maria Bahiana
Los Angeles, 26/1/2004

 

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