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Segunda-feira, 3/11/2008
André Fonseca
Julio Daio Borges

André Fonseca já foi co-produtor e diretor de programação do festival de cinema Mix Brasil. Atuou também como consultor associado da Pensarte e como gerente de comunicação e marketing da Brant Associados. Ajudou, ainda, a editar e colaborou com a revista eletrônica Cultura e Mercado. Hoje está à frente da Projecta, empresa de consultoria especializada no setor cultural, que trabalha com desenvolvimento, planejamento estratégico e gestão de ações, programas e projetos culturais (bem como na capacitação de profissionais para a área).

No meio de tudo isso, André ainda consegue tempo para atualizar o
blog Cultura em Pauta ― com potencial para ser líder em seu segmento ― e o podcast de mesmo nome, focado em bate-papos com profissionais da área. Nesta Entrevista, aborda desde a noção que se tem de cultura no Brasil ("Ainda permanece a visão da cultura enquanto 'festa', ou algo de menor importância") até o papel do governo, seu escopo e suas limitações ("O governo tem a responsabilidade de fomentar as áreas artísticas, mas não a de sustentar artistas").

André fala ainda da acomodação da classe: "Os artistas normalmente são muito inquietos e criativos quando o foco é a arte, mas são conservadores nos aspectos de gestão". Sem deixar, igualmente, o papel do empresariado de lado: "As empresas, no Brasil, ainda planejam suas estratégias de comunicação e
marketing de modo conservador, com base na mídia tradicional". Reposicionando, para completar, a cultura como investimento: "O investimento em cultura não pode ser encarado a curto prazo, pois não dá retorno imediato e dificilmente irá resultar em aumento de vendas". ― JDB

1. André, antes de falar da Projecta e do seu trabalho, eu queria começar com uma questão mais geral: por que a área de cultura, no Brasil, ainda é tão pouco profissional? É por causa da resistência dos nossos artistas ao capitalismo ou é pela falta de intimidade das nossas empresas, com os mecanismos de incentivo? Ou é, ainda, pela falta de políticas públicas mais bem definidas?

Acho que não podemos generalizar, mas concordo que boa parte do setor cultural ainda peca pela falta de profissionalismo, gestão e planejamento. Creio que uma possível explicação para isso resida em uma questão "histórica". Antes das leis de incentivo, quase não existiam cursos nessa área, os órgãos públicos de cultura tinham menos peso do que têm hoje, os investimentos no setor eram menores. Então a profissionalização acontecia meio que na prática, "na raça". O desenvolvimento mais consistente da área cultural no Brasil remonta à segunda metade dos anos 90, quando a Lei Rouanet começou a se consolidar como principal mecanismo de financiamento à cultura no País. Com todas as críticas possíveis a esse incentivo (e eu mesmo faço várias), a Rouanet trouxe como uma de suas conseqüências um crescimento do setor, o que, por sua vez, gerou a necessidade de mais profissionalização. Estamos, portanto, falando de um setor cujo desenvolvimento começou a ocorrer mais solidamente de uma década e pouco para cá. É recente, e ainda estamos dando passos no caminho de uma maior profissionalização.

Mas é claro que esse contexto histórico não pode servir como única justificativa. Há alguns aspectos nos quais já deveríamos estar um pouco mais avançados. Quantas secretarias de cultura no País desenvolvem, de fato, políticas públicas? Quantas instituições culturais ou grupos artísticos implementam processos de gestão, avaliam seus resultados, fazem relatórios, buscam formar público, planejam estratégias de captação de recursos? Quantos indicadores e pesquisas sobre a área cultural nós já temos? O próprio Ministério da Cultura... eu reconheço alguns belos avanços a partir da gestão do Gilberto Gil, mas, de modo geral, ainda ficamos mais no plano das "boas idéias" do que na transformação das mesmas em ações e programas. Vejo muita discussão, muitos seminários pelo País todo, o que é fundamental quando se quer construir políticas públicas democráticas, com a participação da sociedade. Mas essas idéias e conteúdos precisam vir para o plano concreto. A Lei Rouanet continua desempenhando o papel que deveria ser das políticas públicas, mas ela não foi criada para isso e jamais poderá resolver determinados problemas, como a centralização dos recursos. Sem contar que o Ministério é um órgão que enfrenta problemas muito sérios de gestão administrativa, que se refletem em todo o setor. Diante de todos esses fatores, fica essa imagem externa (que muitas vezes é a interna também) de uma área bagunçada, mal administrada. A sua pergunta é um exemplo disso.

Por outro lado, a cultura ainda é pouco vista por governos e sociedade como tendo um papel fundamental e mesmo estratégico, na construção de políticas públicas. Ainda permanece a visão da cultura enquanto "festa", ou algo de menor importância. Essa limitação de visão também emperra alguns avanços. Mas acho que cabe ao setor cultural quebrar essa visão, só que para isso serão indispensáveis mais profissionalismo, planejamento e organização.

2. No nosso País, eu ainda sinto um ranço meio "heróico", até de mártir, pelo lado da classe artística. O que um artista, um grupo ou mesmo uma comunidade poderia ganhar conhecendo mais dos meandros da produção cultural? Faz sentido a reclamação, recorrente, de que "o governo não ajuda"?

Os artistas são criadores e produtores de arte e de cultura. Essa é a matéria-prima do trabalho deles. Para a grande maioria, falar de questões como gestão, captação de recursos ou elaboração de projetos é quase como falar outra língua. Então talvez seja mais difícil para eles essa adaptação a um novo cenário do setor cultural no Brasil, que pede mais planejamento e profissionalismo, inclusive na captação de recursos e na busca de caminhos que lhes possibilitem alguma sustentabilidade. A maioria não tem acesso ao dinheiro ou às empresas patrocinadoras, mas também não sabe trilhar o caminho até lá, ou pensar em outras fontes de recursos. Acabam ficando numa dependência constante de editais, o que é especialmente visível nos grupos de teatro e dança, por exemplo. É verdade que faltam mais mecanismos de financiamento direto do Estado que contemplem artistas e grupos, que não desenvolvem seus trabalhos e criações de acordo com as leis do mercado, ou que não têm a mesma visibilidade de artistas globais ou grupos mais consagrados. Por outro lado, por mais que se amplie esses mecanismos, eles nunca serão suficientes para atender a toda a demanda, e nem deveriam fazer isso. O governo tem a responsabilidade de fomentar as áreas artísticas, mas não a de sustentar artistas e grupos permanentemente, até porque a sua responsabilidade é com a sociedade e não com o bem-estar dos artistas. No entanto, o que eu observo com freqüência no meio artístico é uma visão paternalista do Estado, como se este tivesse que abraçar e sustentar os seus artistas. Acham que o governo tem a obrigação de bancar seus projetos, como se fosse um grande mecenas. É uma visão equivocada e bastante distante da realidade do nosso cenário cultural. O governo ajuda. Não como deveria, mas, mesmo se fizesse isso, não bastaria. Mesmo que os editais com recursos orçamentários direto do governo fossem ampliados, o que fazer quando os projetos não forem selecionados?

Eu observo alguns grupos de ótima qualidade artística, com anos de estrada e reconhecimento crítico, que sobrevivem à custa desses editais e dos cachês de apresentações. Se não forem aprovados, não trabalham. Aí eles choram a falta de recursos, reclamam das injustiças da Rouanet... mas pouco fazem para sair dessa situação. Os artistas normalmente são muito inquietos e criativos quando o foco é a arte, mas são conservadores nos aspectos de gestão. Creio que precisam, com urgência, repensar seus modelos de atuação no mercado, e ter mais visão de longo prazo. Precisam planejar sua gestão, desenvolver estratégias de captação de recursos, trabalhar ações de relacionamento com seus públicos de interesse, conhecer mais a fundo seu público. Não é fácil, mas existem caminhos e alternativas possíveis para que possam alcançar mais sustentabilidade e a continuidade de seus trabalhos. Mas é comum eles colocarem uma certa resistência a utilizar essas ferramentas de gestão, como se isso poluísse a arte que produzem. Às vezes não entendem que essas ferramentas são voltadas para a administração, e não para interferir na criação artística. E eles argumentam que não é função deles cuidar dessas questões, que não estão capacitados para isso... E eu entendo esse ponto de vista, mas isso não os impede de procurar assessoria, ou incluir em sua equipe gestores e administradores.

3. Pelo lado das empresas, eu vejo, basicamente, dois problemas. Ou a empresa ignora que possa incentivar a cultura ou, então, até sabe das possibilidades, mas não imagina o ganho que um movimento assim poderia trazer para sua marca. Qual é o seu conselho para a empresa que quer atuar nesse sentido?

Eu tenho a impressão de que as empresas no Brasil, no geral, ainda planejam as suas estratégias de comunicação e marketing de modo conservador, com base principalmente (ou às vezes unicamente) na mídia tradicional. O investimento em cultura não pode ser encarado a curto prazo. Não dá retorno imediato, e dificilmente irá resultar em aumento de vendas. E as empresas ― e as suas agências de publicidade ― ainda operam muito na esfera dos resultados imediatos ou daquilo que pode ser mais facilmente mensurável. Por isso o universo da cultura ainda é uma incógnita para muitas empresas. Só que a relação com o consumidor ocorre hoje em dia numa dimensão totalmente diferente do que era, por exemplo, quando eu me formei em marketing em 1993. O consumidor atual, por conta principalmente dessa revolução digital que ainda estamos presenciando, deixou de ser aquele mero receptor de mensagens publicitárias manipuladas. Ele agora procura as mensagens que lhe interessam, ele seleciona. Isso é ainda mais visível entre as gerações mais jovens. Antes o consumidor era alvo da informação, agora ele está no centro disso. Ele pode ser produtor de conteúdo, e tem inclusive desafiado os direitos autorais e o monopólio da comunicação.

Diante desse quadro ― e eu não vou contar nenhuma novidade aqui ― muda totalmente a maneira como as empresas e as marcas se relacionam com os consumidores. Os produtos e serviços estão cada vez mais padronizados e a mídia tradicional já não consegue mais dar conta desses novos desafios de comunicação. A publicidade hoje em dia também precisa interagir com o consumidor, buscar uma conexão. Há a necessidade de novas estratégias, porque a relação com a marca se dá cada vez mais por valores intangíveis. O relacionamento com este novo consumidor passa pelo emocional. É por isso que as marcas estão atualmente em busca de criar "experiências" com seu público. Alguns especialistas definem nosso tempo atual como a "era do prazer", dentro da qual as pessoas buscariam compensações catárticas para as dificuldades do dia-a-dia. E os patrocínios culturais são uma excelente oportunidade para se provocar essa experiência com o consumidor e essa relação emocional com a marca.

Não sei se estou em posição de dar conselhos a empresas que queiram investir em cultura. O que posso dizer é que esse investimento pode ser estratégico para a comunicação e para o valor do negócio, desde que esteja alinhado com os valores corporativos da empresa, entre outras coisas. E que é uma ferramenta fundamental para provocar a interação da marca com seus públicos de interesse. Mas esses investimentos precisam ser pensados, planejados nesse sentido.

E voltando ao conservadorismo nas estratégias de comunicação, acho que está na hora de as empresas entenderem esse investimento em cultura como parte integrante de suas estratégias de comunicação e marketing. E não como sinônimo de benefício fiscal, como vem ocorrendo no Brasil, por conta do mecanismo de funcionamento das leis de incentivo. As empresas patrocinadoras ficaram mal habituadas... até quando não investem em cultura. Tem muita empresa de médio porte afirmando que não patrocina porque não pode utilizar a Lei Rouanet (que é restrita às empresas tributadas com base no lucro real). O que é uma visão bastante estreita. Uma pesquisa feita este ano, sobre os hábitos de consumo dos brasileiros, revelou que, quando indagados sobre quais seriam suas perspectivas de gastos do que sobra das despesas mensais, 52% dos entrevistados afirmaram que gastariam em entretenimento fora de casa. Foi uma média maior do que a de qualquer outro segmento de gastos. Por aí você nota o potencial de retorno para os investimentos empresariais em cultura. Mas a maioria de nossas empresas ainda não acordou para isso...

4. E pegando um pouco, também, pelo lado das instituições: nós, como espectadores, vemos que falta, muitas vezes, até uma política coerente. Muitos ainda acham que é uma mera questão de ir "sacando o talão de cheques", mas, se não houver um norte, fica meio sem sentido, no final das contas, não fica?

De fato, o Brasil é marcado pela ausência de políticas públicas bem definidas para a cultura, e isso já vem de décadas. O Ministério da Cultura parece ter se acomodado nas leis de incentivo, que geram recursos maiores do que o próprio orçamento do órgão. E eles ainda não encontraram maneiras de terem fontes de recursos no mesmo patamar. Durante o governo Lula, tivemos algumas boas ações, como o programa Cultura Viva. O Gil tinha idéias avançadas para a cultura. Mas, na prática, pouco se fez. No ano passado foi lançado um programa ambicioso chamado Mais Cultura, que ainda está quase todo no papel. Estamos no sexto ano de mandato, e no segundo ministro, e o Ministério continua promovendo encontros pelo Brasil para discutir mudanças na Lei Rouanet, assim como já fazia no início do primeiro mandato, só que até agora não houve nenhuma mudança substancial. É inegável que o Gil deu ao MinC uma dimensão simbólica e uma importância que a pasta nunca teve. Mas, em termos concretos, avançamos pouco. E essa clareza na definição de políticas públicas é essencial até para saber onde investir o dinheiro do orçamento. O Ministério pede aumento do orçamento, que de fato é pequeno, mas tem políticas claras para saber como alocar devidamente esses recursos?

Esse quadro também se desenha nas secretarias de cultura, embora nos últimos anos tenha sido possível observar avanços em alguns estados. Ceará e Minas Gerais, por exemplo, tiveram secretárias estaduais de Cultura que durante suas administrações pareceram realmente empenhadas em construir políticas públicas. O que já não se nota aqui em São Paulo, seja enquanto estado ou município. Qual é o norte da nossa Secretaria de Estado da Cultura, por exemplo? Para começar, quase não há diálogo com os municípios, o que é imprescindível para se construir uma política pública de cultura para o estado. E tem coisas que são difíceis de aceitar. No início deste ano, por exemplo, foi anunciado um investimento direto de R$13 milhões na criação da São Paulo Companhia de Dança. Até aí, tudo bem. O problema é você observar que, para todo o restante da área de dança, foi destinado, neste ano, um total bastante inferior de R$2,8 milhões, através de editais, sendo que R$1 milhão será destinado para projetos com aprovação na Rouanet e que serão selecionados pela Secretaria, mas patrocinados por empresas... Que política cultural é essa, em que você aposta todas as fichas na criação de uma nova companhia, continua deixando as outras quase à margem, e parte do orçamento ainda vem pela Rouanet? E, no âmbito municipal, o cenário é ainda mais complicado. Dificilmente você vê secretários municipais de cultura escolhidos pela sua experiência na área. As seleções dos nomes costumam ter motivações políticas, e o resultado são secretários sem conhecimento do setor, e o que é pior: sem nenhum compromisso ou mesmo interesse no desenvolvimento da cultura.

A mesma lógica vale para os investimentos empresariais. São poucas as empresas que definem uma política de patrocínio. A maioria investe de modo pontual, sem nenhum tipo de planejamento, sem integrar essas ações às suas estratégias de comunicação. Fica difícil ter resultados quando os investimentos são feitos dessa maneira...

5. Você teve uma larga experiência na área... ― qual foi, portanto, a sua motivação para montar a Projecta e o que ela vai trazer de novidade, se formos considerar as suas experiências anteriores com planejamento, desenvolvimento e consultoria em projetos e ações culturais?

A Projecta atua com cinco segmentos de público: empresas, secretarias de cultura, grupos culturais, instituições e produtores culturais, sendo que os serviços e modelos de atuação são diferentes para cada um deles. Minha motivação principal, ao abrir a empresa, foi tentar contribuir para o maior desenvolvimento e profissionalismo do setor cultural, disponibilizando as experiências e conhecimentos que adquiri no decorrer dos anos em alguns segmentos dessa área. Chegou um momento da minha carreira em que percebi que esses conhecimentos poderiam ser mais úteis se posicionados a serviço da área como um todo do que a serviço de uma única empresa, trabalhando eu nela como funcionário.

A Projecta tem um compromisso ― não somente profissional, mas também ideológico ― com o desenvolvimento do setor. É uma das razões para que um dos focos de atuação seja as secretarias de cultura, especialmente as municipais. Porque no interior dos estados a carência por profissionalização e capacitação pode ser ainda mais nitidamente sentida, e há poucas empresas ou profissionais atuando com esses órgãos nesse sentido. Também há um compromisso de não trabalhar em cima de fórmulas prontas, o que considero mais adequado ao dinamismo e à constante mutação que são características naturais do setor cultural. Mas vale lembrar que a Projecta agrega a experiência de outros profissionais.

6. Eu gostei do fato de que, além de atuar nos "bastidores" ― junto a produtores, empresas e instituições ―, você assume uma postura ativa, no meio cultural, e especialmente, agora, através do seu blog Cultura em Pauta. Parece que você não se contenta em ser um profissional da área, mas quer, também, participar da discussão. Estou certo?

Eu acho fundamental acompanhar as discussões e debates da área, conhecer outras experiências, trocar idéias com outros profissionais. Tento participar disso tudo o máximo que posso.

O blog surgiu de uma inquietação pessoal por encontrar muito pouco espaço na mídia ― mesmo na internet ― sobre cultura enquanto política e setor. Então resolvi criar um blog que pudesse contribuir, ainda que modestamente, para o aumento desse espaço. Eu tento provocar alguma reflexão a partir de temas que foram pouco comentados pela mídia ou tiveram pouca repercussão mesmo dentro do setor cultural. Claro que o viés acaba sendo pessoal e um pouco opinativo, tanto que exponho ali algumas das minhas próprias inquietações e incertezas profissionais ― resultado de trabalhar numa área que é um desafio permanente. Há também um caráter informativo, pois o blog também funciona como um canal onde o leitor poderá encontrar informações sobre editais e eventos, por exemplo. Mas não é um veículo jornalístico, portanto não tenho nenhum compromisso em dar notícias em primeira mão ou comentar o "assunto do dia". É um blog recente, então ainda estou experimentando algumas coisas e sentindo as reações...

7. Gostei, igualmente, do podcast. Você foi muito corajoso em investir num formato que ainda é considerado "novo", no Brasil (talvez porque, ao contrário dos blogs, ainda não "estourou"...). O seu projeto parece bem ambicioso, na intenção de conversar com os principais agentes do nosso meio. Fale um pouco do podcast e se houve alguma inspiração para criá-lo.

Engraçado você achar isso corajoso, pois esse formato já está tão difundido mundialmente que eu ficava me perguntando porque ainda não tínhamos, aqui no Brasil, um podcast voltado para o setor cultural. Então resolvi eu mesmo produzir um de modo totalmente independente, aproveitando a tecnologia digital e esse potencial fabuloso da internet de ampliar o acesso à informação. Mas não houve uma inspiração em especial. Cada programa é um bate-papo com um especialista ou profissional da cultura, em diferentes áreas. É uma conversa propositalmente longa, para que os temas não sejam tratados de forma superficial. Todo programa, além de poder ser ouvido on-line, fica disponível no blog para download gratuito. Pode ser uma boa maneira de enfrentar o trânsito ou a esteira da academia (risos)... A idéia é criar uma espécie de banco de dados sobre o setor cultural, mas filtrado pelo ponto de vista desses especialistas, que têm bagagem e experiência na área, as quais merecem ser conhecidas e compartilhadas. Especialmente pelos profissionais da área que estão longe dos grandes centros e que, por isso, têm menos oportunidade de ouvir essas pessoas...

8. Você ressalta, ainda, que a grande mídia ― para variar ― não aborda todas essas questões. A impressão é de que, mesmo em termos culturais, ela fica muito focada no produto final, no que é "comercializável" ou no que tem um valor imediato de "divulgação"... Como reverter esse quadro?

Na verdade, a escassa cobertura de políticas culturais no Brasil não acontece somente na grande imprensa. Ela se repete nos veículos mais independentes ou mesmo na internet, onde normalmente se encontram sites e blogs sobre quase qualquer assunto que se possa imaginar... Contudo, você conta nos dedos os sites que se dedicam a essa cobertura cultural quando ela não é produto ou evento. Não sou jornalista, mas arrisco mencionar alguns fatores que, somados, talvez possam explicar um pouco essa situação: preguiça jornalística; falta de cobrança do público leitor; pouquíssimos jornalistas realmente aptos a falar de cultura enquanto política; influência das assessorias de imprensa e da indústria cultural na definição de pautas; revistas e jornais que subestimam seus leitores; jornalistas culturais que preferem agir como "críticos de arte" do que como verdadeiros jornalistas. Como reverter esse quadro? É provável que a resposta passe por uma questão sobre a qual eu falei no começo da entrevista: a cultura no Brasil ainda não é vista como algo fundamental e transversal. Se algum dia nossa sociedade e governos chegarem, de fato, a essa compreensão, a imprensa deverá acompanhar a mudança de visão...

9. Queria que você contasse como a sua formação ― desde a graduação em comunicação social com habilitação em marketing pela ESPM ― te ajudou a chegar onde chegou...

Minha formação em marketing me ajudou no sentido de me trazer uma visão de mercado que muitas vezes é útil em alguns trabalhos e consultorias, mas não me ajudou a construir uma carreira na área cultural. Essa construção eu fui fazendo por minha conta, a partir do momento em que tive minha primeira experiência profissional nessa área (em 1997) e decidi que era mesmo nesse setor que eu queria atuar... A partir disso, fui atrás de cursos de especialização, de informações, de pesquisar efetivamente o setor... Mas, quando entrei para a faculdade em 1990, era impossível pensar, formalmente, em ter uma "carreira" no setor cultural. Porque não havia cursos, não havia onde buscar informação, não se falava de "profissões" nessa área. Eu adoraria ter me graduado em gestão cultural, por exemplo. Mas se ainda hoje não existe um curso de graduação nessa área, aqui em São Paulo, imagine em 1990...

10. Queria que, para terminar, você desse alguns conselhos a jovens que estão te lendo agora e que, justamente, pensam em atuar nessa área em que você hoje atua...

Quanto aos jovens ingressando na área... Bem, eu não sou muito fã de dar conselhos (risos), mas posso dizer que esse setor pede cada vez mais profissionais com perfis multidisciplinares. Por isso eu acho importante tentar definir um foco de atuação (produção, gestão, pesquisa etc.), mas, ainda assim, buscar conhecimentos em outros segmentos. Acho fundamental fazer cursos, ir a seminários e debates, ler muito, pesquisar temas específicos... a bibliografia sobre o setor cultural no Brasil ainda é pequena, mas na internet é possível encontrar materiais muito bons e diversificados. E acho que alguém que trabalha com cultura não pode estar desconectado da produção cultural. Tem de freqüentar cinema, teatro, exposições. E tem de estar preparado para atuar numa área que ainda está em processo de formação e que, por isso, irá oferecer mais desafios e incertezas do que "respostas prontas". Acho que aqueles que gostam de trabalhar de modo mais tradicional, e linear, terão mais dificuldades em se adaptar à área da cultura...

Para ir além
Cultura em Pauta

Julio Daio Borges
São Paulo, 3/11/2008

 

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