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Quarta-feira, 30/4/2003
Digestivo nº 131

Julio Daio Borges

>>> CHERNOBIL II – A MISSÃO Terrorismo, guerra, epidemia. Se Deus quiser, o mundo vai acabar logo. Para combinar com Bin Laden e o conflito no Iraque, chegou a Sars (Severe Acute Respiratory Syndrome) ou “gripe asiática”, a praga que faltava. Afinal, com sorte, vamos repetir o século das trevas na Europa: já temos a peste negra e a guerra dos 100 anos... É provável que o século XXI seja do Oriente ou da “orientalização” do Ocidente, por esses e por outros motivos. E certamente a China, mãe da Sars, vai ter um papel fundamental nesse processo. Economicamente, e em termos de números, o país já foi apelidado de “gigante” – e é evidente que para onde o seu mercado interno (e, daqui a pouco, a sua indústria) apontar, o resto do mundo também apontará. Por mais que a Europa anuncie uma futura independência militar (dos Estados Unidos e da Otan), ela está fora da jogada. A União Européia não participa de qualquer polarização; concede, no máximo, apoio moral (ou então reprova histericamente, à la Chirac). Mas voltando à China, ela se torna estratégica agora também em termos de Organização Mundial da Saúde (OMS). A “The Economist” desta semana anuncia que o país será o celeiro de muitas outras (novas) epidemias, com sua população amontoada, com a convivência pouco higiênica ao lado de animais, com a falta de transparência (glasnost?) de seu governo. A revista culpa a omissão e o silêncio dos dirigentes chineses pela contaminação e pelas mortes, via Sars, em todo o mundo. Hong Kong e Toronto (Canadá) sofrem as piores conseqüências. Não vai demorar muito e os fundamentalistas, mártires e suicidas, vão tentar espalhar a Sars pelas metrópoles ao redor do globo. Quem mora em Nova York, por exemplo, já deveria andar de máscara – embora o governo Bush anuncie que está tudo sob controle e que a “gripe asiática” não atravessou (ainda) a fronteira. Se atravessar, causará a mesma comoção do “anthrax” (antraz) – ou pior. Afinal de contas, apesar de Saddam Hussein ter sido deposto, os homens-bomba (logo mais, “homens-vírus”) estão aí, disponíveis. Sem falar em Israel e nos palestinos. Enfim. As perspectivas dos 1000 anos de paz e plenitude, profetizados por Nostradamus, não são as mais alentadoras. Ou talvez o sejam, para quem sobrar.
>>> China's Chernobyl? | The dragon wheezes
 
>>> I'M NOT WHAT I APPEAR TO BE A maioria das pessoas não conhece Charles Bukowski. Algumas, só de ouvir falar. Ainda assim, sua influência foi fundamental para a permanente "adolescência" da literatura. E não apenas no Brasil. Claro, houve a contribuição do existencialismo (que, junto a tantos outros "ismos", matou a metafísica) e até, creiam, do romance policial, com sua "lógica", sua "objetividade", seu "esquematismo". O fato é que a estrutura do que se escreve em ficção, já há muito tempo, acabou seguindo uma receita, viciosa, que invariavelmente se repete. É sempre em primeira pessoa. É sempre um herói (ou um anti-herói, não importa). É sempre uma aventura comezinha, para passar o tempo — com a duração de uma vida. Pode ser um investigador, um subalterno, um "artista". E deve se rechear de detalhes escatológicos: da sexualidade (qual seja) até os rituais fisiológicos (aqueles). Às vezes, há crimes. Violência, quase sempre (física ou moral, depende da época). Nietzsche costumava reputar a atitude submissa do indivíduo, em geral, à nossa herança judaico-cristã. Segundo ele, abandonamos o orgulho grego para impor uma civilização em que "os últimos serão os primeiros". É certo, porém, que Bukowski não pensava tudo isso, mas cultivou nos seus escritos a miséria humana — a partir do registro de sua própria miséria. Bukowski corroborou então com Nietzsche, e glorificou eternamente o "loser". Até os Beatles caíram. Mas Bukowski era da turma dos beatniks e, graças à Bertrand Brasil, temos a oportunidade de investigar essa história "in loco". A editora lança, em solo tupiniquim, uma coletânea de "25 melhores poemas" (bilíngüe), com tradução de Jorge Wanderley. O inglês de Bukowski é simples, o leitor pode seguir direto. O autor não era poeta, como se pode ver: escrevia em prosa e, depois, tentava "formatar" versos. Mas suas reflexões são interessantes. Bukowski tinha plena consciência do seu lugar na literatura, e da mudança de paradigma. Evocando a "geração perdida" de Gertrude Stein, conclui que não era nada disso e que os verdadeiros perdedores eram ele e os de sua geração: "[Antes, havia meia dúzia de revistas literárias...] now there are so many of us". E ele ainda conseguiu ser Charles Bukowski, o ídolo de muita gente por aí. Não é lendo-o que vamos sair do atoleiro literário atual, mas, pelo menos, vamos saber onde estamos.
>>> 25 Melhores Poemas - Charles Bukowski - 176 págs. - Bertrand Brasil
 
>>> SUGERIDO PARA ADULTOS? John Constantine. O nome é de ator de Hollywood. Mas a inspiração, dizem, veio de um cantor de rock: Sting. Trata-se do detetive mais “cool” das histórias em quadrinhos, no final dos anos 80, início dos 90, que a editora Brainstore relança no Brasil. A personagem foi criação de Alan Moore, o pai do Monstro do Pântano, e teve uma aparição mais sistemática (leia-se: virou revista) graças a Jamie Delano (argumento) e John Ridgway (arte). Pela associação entre Vertigo, DC Comics e Brainstore, temos as oito primeiras histórias de “Hellblazer” (o título dedicado a John Constantine) encadernadas e disponíveis nas bancas daqui, sob a alcunha “Pecados Originais”. Todas datam de 1987 e uma introdução de Delano (em 1992) procura situá-las no tempo. A grande questão que fica é: – Há interesse suficiente para os não-iniciados ou John Constantine fica restrito à legião de adeptos do autor de “Watchmen”? Muitos dramas já ficaram velhos: um dos amigos de Constantine, por exemplo, sofre de aids e de preconceito. Em 2003, não faz mais muito sentido (ao menos, não como fazia antes da agonia de Cazuza [1990], digamos). Em outro episódio, nosso herói pragueja contra os “conservadores” e Margaret Tatcher. Hoje, com Tony Blair no poder, não consta que o tatcherismo seja uma ameaça – até porque já foi assimilado pelo “novo trabalhismo” (a “esperança” naquele então). O maior problema, contudo, são os leitores, que cresceram. O existencialista que vaga solitário, desafiando demônios, esnobando mulheres e subvertendo as regras não faz mais a nossa cabeça. Primeiro, porque os demônios são reais. Segundo, porque as mulheres não são mais “aquele enigma”. Terceiro, porque descobrimos que as regras não são um mal em si. John Constantine percorre as catacumbas das nossas memórias – e é só. Nenhum espanto. Nenhuma surpresa. Embora haja arte no traço de Ridgway; embora haja inteligência nos diálogos de Delano. Mas como o último mesmo colocou, talvez as “imperfeições” saltem aos olhos agora com mais facilidade – e Constantine precise de uma reciclagem, de uma atualização, de um banho de terceiro milênio. A iniciativa, portanto, é louvável, mas as nossas horas, atualmente, mais densas do que antes.
>>> Hellblazer: Pecados Originais - Jaime Delano & John Ridgway - Brainstore Editora
 
>>> MAU HUMOR

“Herói é quem vai contra a maré. Por isso há tão poucos.” (Paulo Francis)

* do livro Mau humor: uma antologia definitiva de frases venenosas, com tradução e organização de Ruy Castro (autorizado)
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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